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segunda-feira, 28 de abril de 2008

1969 nasce o Pasquim

Um ano depois da instituição do AI 5, é criado no Rio de Janeiro o semanário Paquim.

O termo pasquim do italiano 'pasquino' significa texto satírico, crítico e mordaz colado em local público; jornal ou folheto calunioso e, em sentido pejorativo: jornal sem repercussão, sem importância, ou mal redigido.

Segundo Cortelazzo e Zolli, apud Enciclopédia Italiana XXVI, 451: 'Pasquino é a frontada de um grupo de mármore da primeira idade helenística (III a.C.), que representava ou Menelau com o corpo de Pátroclo ou Ájax com o corpo de Aquiles. Desenterrado onde hoje é a praça do Pasquino, foi em 1501 erigido sobre um pedestal do cardeal Oliviero Carafa no ângulo voltado para oriente do palácio Orsini (ora Braschi), onde o cardeal habitava.

Por que ao belo torso, que Bernini e outros artistas julgaram uma das melhores estátuas que havia em Roma, tenha sido dado aquele nome, continua em dúvida. Simbólica é por certo a tradição, de origem talvez tardia, que o faz como um alfaiate Pasquino, que tinha loja ali perto; até a estátua, ver-se-á, cortava os panos das pessoas. Mais antiga, porque atestada já em 1509, é a tradição que chama a estátua de 'literator seu magister ludi' [letrado ou mestre de jogo], de mestre-escola, que habitava em frente. Outros falam de um barbeiro, outros de um hospedeiro; falou-se até de um Pasquino saído de Siena, mas que vivera um século antes que o torso fosse reposto em suas honras.

Qualquer que seja o motivo do nome atribuído ao torso, o fato é que Pasquino acabou por personalizar a sátira anônima romana, douta e popularesca, porque em seu nome foram compostos libelos (as pasquinate) em latim, em verso e prosa, contra os papas e seu governo, contra os cardeais e a cúria, contra pessoas e costumes, julgados a torto e a direito; os cartazes que lhe levavam escritos eram afixados ao torso, ao pedestal, aos muros em torno".

Quem leu algum exemplar do Pasquim sabe que o nome escolhido por seus fundadores foi bastante adequado.

Reproduzo abaixo um documentário da TV Câmara sobre o Pasquim

O Pasquim - A Subversão do Humor

(05/08/2004)

Nos anos 70, jornalistas resolveram falar o que pensavam sobre política e cultura, no jornal mais bem-humorado do Brasil. Fizeram muito sucesso na classe média e foram perseguidos pelos governos.


Documentário conta a era do Pasquim
Em 1969, ano particularmente duro no regime militar, surgiu no Rio de Janeiro "O Pasquim", tablóide que, com sua irreverência, humor e anarquia, daria uma nova roupagem e linguagem ao jornalismo brasileiro, uma forma mais coloquial à publicidade e causaria um forte abalo nos níveis da hipocrisia nacional.

A TV Câmara conta no documentário "O Pasquim - a Subversão do Humor", através dos principais personagens esta história, como ele invadiu o Brasil, enfrentando a censura e a cadeia com o riso aberto, como se fosse mais uma das farras da turma de Ipanema.

Em O Pasquim, Jaguar, Ziraldo, Sérgio Cabral, Luiz Carlos Maciel, Marta Alencar, Miguel Paiva, Claudius, Sérgio Augusto, Reinaldo, Hubert lembram como se escreveu esta página da nossa história e Angeli, Chico Caruso, Washington Olivetto e Zélio como ela foi determinante para as páginas seguintes.

Ninguém ficou rico com a publicação, embora ela tenha vendido nos seus melhores tempos, entre 1969 e 1973, até 250 mil exemplares. Um volume acima do razoável, se lembrarmos que os jornais de tiragem nacional rodam hoje, mais de 30 anos depois, com toda a informatização, a facilidade de distribuição e as fortes campanhas de assinantes, cerca de 300 mil exemplares.

A verdade é que o comportamento da chamada Patota do Pasquim era tão anárquico quanto o conteúdo do jornal. E o que ganharam gastaram entre prisão, brigas, festas e altas dosagens etílicas. Bem que os militares e a elite brasileira tentaram sufocá-lo diversas vezes e de formas variadas mas, quando conseguiram, ele já havia disseminado uma nova forma de comportamento nos meios de comunicação. Como diz Jaguar, a imprensa tirou o paletó e a gravata, ou, como diz Olivetto, passamos a escrever e nos comunicar com língua de gente, do povo.

Reprodução autorizada mediante citação da TV Câmara

Entre todos os jornalistas e cartunistas que passaram pelo Paquim, meu predileto foi Henfil.

Reproduzo a seguir um bom artigo sobre sua vida e obra.

Indico que assistam também o documentário Cartas da Mãe que faz parte da cinemateca do projeto Porta-Curtas. E aqui você encontra um seqüência pedagógica de minha autoria para o trabalho com este documentário.





HENFIL: A RESISTÊNCIA PELO HUMOR

Por :
Andréa Pereira 06/09/2007






















“O humor que vale para mim é aquele que dá um soco no fígado de quem oprime". – Henfil.

Em 1964, acontecia o golpe militar no Brasil. O General Castelo Branco assumiu a presidência da República e, nos anos subseqüentes, o país assistiu a prisões irregulares de líderes tidos como subversivos, dissolução de partidos políticos, eleições indiretas, censura, tortura, e um regime autoritário e repressor. A política econômica do período causou grande tensão social. O chamado “milagre econômico” trouxe um crescimento mensurável, mas por outro lado piorou a desigualdade sócio-econômica, agravando a concentração de renda e pobreza no país. A imprensa era amplamente censurada, porém a resistência, na forma de críticas disfarçadas e mensagens cifradas, fundamentadas freqüentemente no humor, ganharam terreno, protestando contra a repressão, a dívida externa, a tortura, lutando por anistia e direitos humanos.
E agora, você deve estar aí se perguntado o porquê dessa aula de história brasileira em uma matéria sobre quadrinhos. Simples. Porque vamos falar de Henrique de Souza Filho, ou, como era mais conhecido, Henfil. Criador de personagens inesquecíveis como Graúna, os Fradinhos, o Bode Francisco Orelana e Capitão Zeferino, Henfil usou do humor e da ironia para combater a censura, a desigualdade social e a corrupção nos anos que a ditadura militar se instaurou no país.



:: Uma breve história no tempo

Desenhista, jornalista e escritor, Henfil nasceu dia 5 de fevereiro de 1944, em Ribeirão das Neves, em Minas Gerais. O engajamento político era um traço de família. Seu irmão, o sociólogo Herbert de Souza, o Betinho, foi o artífice da Ação da Cidadania Contra a Fome e a Miséria. Nos anos 60, durante a perseguição empreendida pela ditadura, Betinho passou alguns anos foragido do Brasil, episódio mencionado na música Bêbado e Equilibrista, do compositor Aldir Blanc. Tanto Betinho quanto Henfil eram hemofílicos. Em 1988, com 43 anos, Henfil morreu, após anos de luta contra a hemofilia e a AIDS, que contraiu durante uma transfusão de sangue feita em um hospital público. O violinista Chico Mário, outro irmão de Henfil, também hemofílico, faleceu no mesmo ano com 40 anos. O sociólogo Betinho faleceu nove anos depois, em 1997, com 61 anos.

Henfil começou sua carreira aos 20 anos, como revisor na revista Alterosa, em Belo Horizonte. O editor da revista, Roberto Drummond, um dia o surpreendeu desenhando durante o serviço. Reconhecendo o valor dos desenhos, Drummond contratou Henfil como cartunista e batizou-o com o apelido pelo qual se tornou conhecido, “Hen” de Henrique e “Fil” de Filho. Assim nasciam os Fradins, Baixim e Cumprido, dois frades dominicanos, o segundo ingênuo e bom, o primeiro sarcástico e cruel. Os Fradins serviam de meio para que Henfil criticasse o ensino religioso tradicional e problemas sociais e políticos da época.

Em 1966, ainda em Minas, lançou o livro Hiroshima, Meu Humor, com uma coletânea de cartuns. Posteriormente, Henfil se mudou para o Rio de Janeiro e começou a fazer charges para o Jornal dos Sports. Foi lá que surgiram personagens como o Urubu (que virou símbolo da torcida do time do Flamengo), Cri-Cri, Pó de Arroz e o Gato Pingado.

Foi em 1969 que passou a colaborar no Pasquim, tablóide onde nomes como Jaguar, Tarso de Castro, Ziraldo, Millôr, Paulo Francis, Chico Buarque, Ruy Guerra, Ferreira Gullar, Fernando Veríssimo e tantos outros colaboraram. Na época, os atos institucionais, a nova Lei de Imprensa e a Lei de Segurança Nacional contribuíam para aumentar a censura e a repressão. A proposta do Pasquim era criticar esse cenário, um grupo de jornalistas e profissionais da mídia que se reuniu para falar mal do governo, em pleno AI-5. Nos seus anos de funcionamento, o Pasquim reuniu a nata dos intelectuais e boêmios cariocas. Era fortemente censurado, principalmente as tiras de Henfil, que havia chamado a atenção do governo.

Foi no Pasquim que Henfil tornou-se conhecido em todo o país. Na mesma época, torna-se colaborador do Jornal do Brasil, onde ficam famosos seus personagens da caatinga, Graúna, Bode Orelana e Zeferino. Em 1971 lança o Almanaque dos Fradinhos, publicação mensal pela editora Codecri, criada juntamente com Millôr Fernandes, Ziraldo e Sérgio Porto. Seus personagens então atingiram um nível de popularidade jamais experimentado no Brasil.

Em outubro de 1973, o cartunista foi para Nova Iorque, para fugir da pressão da censura e também para tratar da hemofilia. Lá, conseguiu publicar seus personagens, os Fradinhos, rebatizados de Mad Monks, em vários jornais norte-americanos, através de um distribuidor, o Universal Press Syndicate (UPS). Cerca de 200 jornais, de costa a costa, publicaram as tiras de Henfil, incluindo 10 dos maiores em circulação. Entretanto, o público começou a reclamar que o quadrinho era pesado demais e o acordo com o distribuidor foi cancelado. Dessa maneira, e sem conseguir um tratamento satisfatório para a hemofilia, Henfil retornou ao Brasil em 1975. Sua estadia nos EUA virou o livro Diário de um Cucaracha.

Em 1977, Henfil começou a colaborar com a revista Isto É. Cartas da Mãe eram mensagens endereçadas à sua mãe, Dona Maria, através das quais Henfil burlava a censura, tratando de temas como exilados políticos e anistia, e criticando o governo. Depois mudou-se para São Paulo, onde participou de várias campanhas do movimento sindical e colaborou no João Ferrador, jornal do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo.

No início da década de 80, publicou os livros Henfil na China e Antes da Coca-Cola. Trabalhou ainda no teatro – realizou a peça A Revista do Henfil, em co-autoria com Oswaldo Gabus Mendes – e na televisão, no programa TV Mulher da Rede Globo, onde escrevia e apresentava o quadro TV Homem. Em 1984 escreveu, dirigiu e trabalhou como ator no filme Tanga - Deu no New York Times.



:: Alguns personagens de destaque

A caatinga

Em plena época do milagre econômico, Henfil se utilizou de três personagens para denunciar as disparidades entre norte e sul do país. Em 1970, o Ato Institucional nº 5 estava em pleno vigor, e as charges eram publicadas pelo Jornal do Brasil. Zeferino era o típico sertanejo, com um visual que lembrava o cangaceiro. O bode Francisco Orelana representava o intelectual acomodado, simbolicamente devorando livros, porém sem nunca realmente tomar uma atitude. A Graúna, seu personagem de maior sucesso junto ao público, é uma avezinha miúda, ingênua e otimista, em cuja perspectiva quase infantil do mundo repousava a maior parte da crítica contundente da charge.

A Turma da Caatinga serve de crítica ao racismo, à pobreza e concentração de renda, aos monopólios, aos latifúndios, à compra de votos, à demagogia política, à SUDENE, entre outras tantas mais.



Os Fradins

Os Fradins são inspirados em dois frades dominicanos. Um alto e magro, ingênuo e alienado. O outro, mais mordaz, baixinho, gordinho, que vivia aprontando, principalmente com o frade mais alto. Os frades Cumprido e Baixim são dois opostos que se complementam. Enquanto o primeiro é temente a Deus, submisso e inocente, o segundo é um sádico de boca suja que não teme nada, nem ninguém.

Note-se, contudo, que o Cumprido reflete a hipocrisia da sociedade, mantendo uma atitude passiva face aos males sociais, sempre se culpando por tudo, mas sem fazer nada para mudar a situação. Já o Baixim reflete a realidade de forma extrema, mas sem ser hipócrita. Ele só e capaz de fazer alguma coisa boa se tiver a certeza de que ninguém está olhando.

A dupla foi a ferramenta de Henfil para criticar a ditadura, satirizando políticos e evidenciando a hipocrisia e os preconceitos da sociedade brasileira conservadora e moralista da época.


Ubaldo, o paranóico

O personagem Ubaldo é uma criação conjunta do humorista com o crítico musical Tárik de Souza. Foi criado em 1975, em plena vigência do governo do General Ernesto Geisel. Uma semana antes, o jornalista Wladimir Herzog morria nas dependências do DOI-CODI, em São Paulo.

Nos anos seguintes, o Brasil passaria pela chamada Abertura Política, processo lento e gradual de redemocratização, com a diminuição da censura e o começo do movimento pelas eleições diretas. Ubaldo é a encarnação do temor de Henfil – e de muitos brasileiros – de que o regime de terror voltasse a imperar. De cabelos grandes e bigode, o estereótipo da juventude engajada do início dos anos 80, Ubaldo retrata a dualidade da sociedade de então, dividida entre o medo da repressão e a euforia diante do processo lento e gradual de abertura política.

Ubaldo espelha o medo de ser preso, de desaparecer, de ser torturado ou morto. É Henfil mais uma vez fazendo humor em cima da tragédia. Talvez Ubaldo seja seu personagem que mais tenha ficado datado. Ou não. A ditadura terminou, mas ainda vivemos uma realidade que nos deixa inseguros e amedrontados de sair à rua.


Humor com propósito

Henfil é a prova de que bastam boas idéias para criar quadrinhos. Ironia, revolta, acidez, e crítica política eram representadas basicamente por expressões faciais e movimento. O traço de Henfil era praticamente um rabisco, seus quadrinhos fugiam totalmente dos moldes tradicionais das tiras de humor da época. Nada de personagens que pareciam bonecos, com poses e expressões padronizadas. Na arte de Henfil não há construções geométricas, não há detalhes, não há volumes, não há arte-final e não raro não há nem mesmo cenário ou enquadramento.

Em uma época em que predominavam os quadrinhos de super-heróis importados, ele ousou ser diferente. De fato, pode-se afirmar que ele fez tudo ao contrário do que se fazia na época (e até mesmo hoje em dia), e ainda assim, com muito humor e senso crítico, conquistou um público fiel e renome nacional.

Um exemplo de como o humor pode servir de veículo para a denúncia, de que os quadrinhos são meio de expressão para quem tem a incapacidade de assistir impassível à injustiça.

Suas tiras são publicadas atualmente em grandes jornais do país, como o jornal O Globo (que sempre se recusou a publicá-las, na época em que foram escritas), e seu valor intrínseco continua tão atual quanto na época de sua criação. Parecem às vezes que foram feitas ontem.


LINKS RELACIONADOS :

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Memória e história: ditadura militar
Terra à vista, a vista e a prazo por Henfil

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