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domingo, 20 de abril de 2008

Reação conservadora contra a população indígena amplia preconceitos

Atualizado em 24/04/2008
Foto Jaime Carlos Patias

Reproduzo a entrevista do presidente da Funai, porque me parece bastante esclaredora sobre os atuais conflitos em Roraima e sobre o crescimento do preconceito em relação aos povos indígenas. A matéria seguinte também do jornalista Roldão faz uma síntese contextualizando o atual conflito.

Postagem relacionada:
Aumenta a violência contra as populações indígenas

'Preconceito contra índios está voltando em onda conservadora'

Indígenas são apresentados como se ainda vivessem no passado e vistos como preguiçosos e incapazes

Roldão Arruda

O preconceito racial contra os povos indígena está passando por uma fase de recrudescimento, segundo o presidente da Fundação Nacional do Índio (Funai), o historiador Márcio Meira. Um dos principais fatores para a mudança seria a expansão econômica, especialmente do agronegócio, em direção às regiões do sertão brasileiro, onde vivem os indígenas. De acordo com Meira, ainda impera no País uma visão de progresso segundo a qual tudo que impede o seu avanço deve ser destruído.

Outro fator do aumento do preconceito seria o fato de os indígenas terem assumido o papel de protagonistas na luta por seus direitos, com quase 700 organizações espalhadas pelo Brasil. As elites brasileiras, segundo Márcio Meira, não aceitam esse protagonismo.

Treinamento da PF. Fonte: RONOTICIAS.COM

A semana na qual se comemora o Dia do Índio foi marcada por protestos e reivindicações. Na sua opinião, os indígenas brasileiros têm razões para comemorações?
Sim. Eles podem comemorar o fato de o governo estar encaminhando para o Congresso, neste mês, o projeto de lei de criação do Conselho Nacional de Política Indigenista.

O que isso muda?
Muda as relações do Estado com os indígenas. Até o ano passado não existia nenhuma participação indígena direta na discussão de políticas públicas voltadas para suas comunidades. O presidente Lula então criou, por decreto, uma comissão nacional, com participação indígena, que passou a analisar essas políticas. Também coube a essa comissão preparar o projeto de lei que será enviado ao Congresso. Se for aprovado, as políticas serão definidas numa comissão paritária - com metade dos assentos ocupados por representantes do governo e a outra metade pela sociedade civil: os indígenas e os representantes de organizações que trabalham com eles.

ONGs terão assento na comissão?
A maioria dos representantes da sociedade civil será indígena. Os outros setores terão dois assentos. É importante dizer que essa comissão é uma reivindicação indígena. Por isso acho que há motivos para comemorar.

Mas a reivindicação maior deles é o Estatuto do Índio.
Isso eles não podem comemorar. O projeto do estatuto foi apresentado ao Congresso há quase 20 anos e até hoje continua lá. O estatuto em vigor é de 1973 e ficou anacrônico, especialmente após a Constituição de 1988, que mudou o conceito de relação entre o Estado e os povos indígenas. A Constituição deu direitos aos indígenas, reconhecendo-os como diferentes e dando-lhes o estado de cidadãos plenos.
Funcionários da fazenda Depósito , produtora de arroz dentro da Reserva Indígina Raposa Serra do Sol , vigiam a entrada da propriedade que é protegida por arame farpado. . Foto: Clayton de Souza/AE

O senhor acha que a população lida bem com essa questão da diferença cultural?
Em Boa Vista, capital de Roraima, Estado onde os indígenas reivindicam a criação do território Raposa Serra do Sol, é comum ouvir manifestações contra eles. São quase sempre qualificados como preguiçosos.
Ainda persiste um preconceito muito grande contra os indígenas. É possível perceber uma visão racista e uma intolerância cultural, principalmente nas cidades onde a presença indígena é maior e mais próxima.

Essa intolerância estaria aumentando?
O preconceito tinha recuado nos anos 80, nos debates da Constituinte de 88, mas está voltando na forma de uma onda conservadora. Isso deve-se em parte ao desconhecimento da realidade indígena. Nas escolas ainda se fala dos indígenas de forma carregada de estereótipos e clichês. Eles são apresentados como se ainda vivessem no passado. São vistos como preguiçosos, incapazes, inferiores. É o caldo de cultura propício ao preconceito*.
Partidários dos arroazeiros retiram os coquetéis molotov que estavam na ponte no distrito de Surumu. Foto: Evelson de Freitas/AE

No debate sobre a Raposa Serra do Sol, uma crítica recorrente refere-se à manipulação dos índios, que estariam sendo guiados por ONGs, especialmente do exterior.
Isso faz parte do preconceito, da idéia de que os indígenas são primitivos, incapazes de ter opinião. Esse discurso sobre as ONGs internacionais é o discurso da dominação política, que as elites brasileiras utilizaram todas as vezes que a população mais pobre se manifestou como protagonista. Sempre disseram que havia alguém por trás dos movimentos operários, das ações das populações miseráveis da zona rural. O próprio presidente Lula foi vítima desse preconceito quando liderou movimentos sindicais no ABC, nos anos 70. Diziam que não tinha estudos.

Mas existem muitas ONGs estrangeiras atuando na Amazônia.
Não importa saber se são estrangeiras ou não, uma vez que a legislação brasileira prevê a atuação dessas organizações. O importante é saber quais são sérias, quais respeitam a legislação brasileira. As que não respeitam devem ser punidas e combatidas. Tem que separar o joio do trigo. Pelas leis do País, as ONGs internacionais devem ter escritório estabelecido no Brasil, assim como as empresas internacionais que vêm para cá e podem comprar terras.

Por qual motivo o preconceito contra os índios estaria aumentando?
Há vários fatores envolvidos. Um dos principais é a expansão econômica pelo território nacional. O Brasil dos últimos 20 anos se transformou radicalmente do ponto de vista da ocupação territorial, com um forte movimento de migração para os sertões brasileiros, para os lugares onde os indígenas vivem. Isso foi estimulado de maneira desenfreada na ditadura militar e continua até hoje. Estão indo para lá desde migrantes pobres, garimpeiros, pessoas em situação econômica vulnerável, até grandes grupos do agronegócio. A visão de progresso deles é de cem anos atrás, com a destruição da natureza e das pessoas que atravessam seu caminho.

Parece ser mais um caso de descompasso entre a Constituição e a situação real.
É uma situação anacrônica. A nossa legislação sobre preservação ambiental e respeito aos direitos indígenas é uma das melhores do mundo, dentro dos princípios democráticos. Mas na realidade temos setores que pressionam e ameaçam tanto o meio ambiente quanto as comunidades indígenas, com uma visão precária de democracia e exercendo atividades ilegais.

Os grupos que se opõem à criação da Raposa Serra Sol dizem que não existiam índios na região. Teriam sido levados pelos padres do Conselho Indigenista Missionário.
Sou historiador, com especialização em história da Amazônia, e já fui diretor do Arquivo Histórico do Pará. Posso afirmar com convicção que os povos Macuxi, Ingaricó, Taurepang, Uapixana e outros grupos estão na região há muito tempo. Existem registros da presença deles desde quando os primeiros portugueses chegaram na Amazônia, no início do século XVII. Esses documentos podem ser encontrados em arquivos de Portugal e no Brasil. Na segunda metade do século XVIII, um militar português, Manoel da Gama Lobo D’Almada, esteve na região com a missão de levantar dados geográficos e produzir mapas. Foi o primeiro geógrafo militar a andar por ali e fez questão de registrar nos mapas a presença das aldeias indígenas.

Também se argumenta que os índios de Roraima não precisam de 1,7 milhão de hectares porque já são civilizados, não vivem mais da caça e da pesca. Estariam aculturados.
O conceito de aculturamento é do século XIX. Está ultrapassado. A cultura humana é interrelacional: a partir do momento em que uma cultura entra em contato com outra, ambas vão influenciar e sofrer influências. Mas não vão deixar de existir. Nossa civilização foi influenciada pelos indígenas e pelos negros e por isso somos diferentes dos portugueses. Mas o indígena continua indígena, mesmo que use terno e gravata e tenha máquina fotográfica digital.

Crianças indígenas na reserva Terra do Sol. Foto: Clayton de Souza/AE
Nas críticas dos militares à política indigenista, fala-se que existe muita preocupação em criar territórios indígenas, que depois são esquecidos pelo poder público.
Nos anos 1970, quando alguns grupos indígenas foram praticamente dizimados, no processo de ocupação desenfreada da Amazônia, existiam 250 mil indígenas no país. Em 2001 o IBGE constatou que eram 750 mil. E provavelmente no próximo censo vamos ter uma população de aproximadamente 1 milhão. Isso ocorreu porque a sociedade brasileira e o Estado deram condições para a sobrevivência física e cultural dessas populações. Os distritos sanitários, mesmo com todas suas deficiências, serviram para a vacinação e proteção contra doenças epidêmicas que provocavam alta taxa de mortalidade.

Partidários dos arroazeiros desmontam o cenário de guerra, montado para impedir a passagem da polícia. Foto: Evelson de Freitas/AE

A polêmica em torno da Serra do Sol não está na sua criação, mas na forma. Por que a insistência na constituição de um território único e contínuo? Por que os índios não podem ter terras divididas em ilhas, com a presença de grupos não-indígenas entre elas?
Toda terra indígena é contínua. Os indígenas não vivem em ilhas territoriais. Se alguém se manifestar dizendo que as terras da Raposa não podem ser contínuas vai pôr em dúvida todas as terras indígenas do País - porque todas são contínuas.

Por quê?
Porque a floresta na Amazônia tem uma enorme diversidade ambiental. Não é homogênea, com pensam as pessoas que não conhecem a região. Há lugares alagados, serras, campinaranas, áreas de solo arenoso, nas quais ninguém consegue morar. Os indígenas vivem em lugares específicos, onde conseguem ter atividades agrícolas. Mas usam os outros lugares para coleta de frutas, de ervas medicinais, de acordo com seus usos e tradições, que devem ser respeitados, como diz a Constituição do Brasil. O Monte Roraima, que fica dentro da área da Raposa, não tem nenhum morador em cima dele, nem nas suas imediações. Mas ele é essencial para a identificação do território tradicional dos Macuxi e dos outros povos que vivem ali: é o local sagrado deles, o local onde, segundo suas tradições, a humanidade surgiu. O Monte Roraima está para eles como a região do Tigre e do Eufrates, no Oriente Médio, está para a nossa sociedade ocidental. A região é tão importante para nós que nos revoltamos quando são destruídos monumentos arquitetônicos de suas antigas civilizações.

Como tem sido as relações entre índios e militares na região?
Se existe um segmento público que conhece bem a história dos indígenas por lá é o Exército. Os militares foram os primeiros a chegar. No início iam para matar os indígenas. Mas isso foi nos séculos XVII e XVIII. Depois disso estabeleceram relações de cooperação em toda a faixa de fronteira. São relações históricas. Foi o marechal Cândido Rondon que defendeu pela primeira vez a idéia de que temos que proteger os indígenas. Ele dizia: Morrer, se preciso for. Matar, nunca. Foi seu grande legado.

E quanto à afirmação, feita por militares, de que as terras indígenas abrem vazios populacionais e tornam mais vulnerável as faixas de fronteira do País?
A presença do Exército na faixa de fronteira é uma obrigatoriedade constitucional. E os indígenas nunca se opuseram a isso. Qualquer terra indígena sempre estará aberta às Forças Armadas na sua tarefa de defesa das fronteiras. Os indígenas nunca representaram nenhum impedimento. É importante assinalar que as terras indígenas são propriedade da União Federal e, portanto, sempre abertas às Forças Armadas. Outro dado importante: mais da metade do contingente do Exército que serve na fronteira é formado por soldados indígenas. Recentemente, quando madeireiros peruanos invadiram o território do Acre, foram os indígenas que descobriram a presença deles e avisaram a Funai, que por sua vez alertou as Forças Armadas.
Efetivo da PF treina para qualquer enfrentamento nas áreas indígenas da Raposa Serra do Sol. Foto: Evelson de Freitas/AE
O senhor disse que as terras indígenas são terras da União. Os arrozeiros que estão defendendo suas terras na região não têm títulos de propriedade?
Não. São invasores. Começaram a comprar as terras de forma ilegal, depois que a região já tinha sido declarada território indígena.


[O Estado de São Paulo, 20/04/2008]

*Convidamos o historiador da FUNAI para analisar a nossa coleção, esses estereótipos sobre as nações indígenas no Brasil estão ausentes.

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SÃO PAULO - A tensão em torno da ocupação da terra indígena Raposa Serra do Sol - homologada há três anos pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva - aumentou nos últimos dias. O motivo foi o início, na quinta-feira, da Operação Upakaton 3 - nome dado pela Polícia Federal à serie de ações com que as autoridades federais pretendem retirar da área os últimos ocupantes que ainda estão lá: pequenos proprietários rurais, alguns comerciantes e um grupo de grandes e influentes produtores de arroz.




Conflito

Entre estes últimos, alguns prometem resistir à investida policial, com ações que vão de protestos públicos na capital, Boa Vista, a atos de sabotagem destinados a impedir a entrada dos policiais nas fazendas. A Polícia Federal ainda não tem um prazo definido para a retirada dos produtores de arroz da terra indígena. Agentes policiais recrutados em vários Estados da Amazônia continuam desembarcando na capital do Estado e se deslocando para o interior da reserva, na fronteira com a Guiana e a Venezuela.


Área da reserva


A Raposa é formada por uma área contínua de 1,7 milhão de hectares, dividida entre imensas planícies, semelhantes às das regiões de cerrado, mas aqui chamadas de lavrado; e cadeias de montanhas, na fronteira do Brasil com a Venezuela. Nela vivem cerca de 20 mil índios, a maioria deles da etnia macuxi. Entre os grupos menores estão os uapixanas, ingaricós, taurepangs e outros.

Desde que Lula assinou o decreto de homologação da área, no dia 15 de abril de 2005, a área tem sido objeto de polêmicas e disputas. Os produtores rurais, moradores não-indígenas da região e até parte da população indígena reivindicam que pequenas partes da reserva sejam desmembradas. Eles já recorreram à Justiça, mas nos últimos três anos as batalhas judiciais têm sido sucessivamente vencidas pelo governo.


Repercussão internacional


O caso ganhou repercussão internacional. Organismos da ONU e da OEA cobraram do governo a liberação da área para os indígenas. Na semana passada, a Advocacia Geral da União também fez cobranças. E os índios vinham ameaçando expulsar por conta própria os não-indígenas se o governo não tomasse a iniciativa até o fim de março. Em Roraima, a Raposa Serra do Sol já está ligada à Reserva São Marcos. O Estado tem uma população indígena de 44 mil pessoas, em 32 reservas que ocupam 46% do território estadual.


Territórios indígens


O Brasil tem atualmente cerca de 600 terras indígenas, que abrigam 227 povos, com um total de aproximadamente 480 mil pessoas. Essas terras representam 13% do território nacional, ou 109,6 milhões de hectares. A maior parte das áreas indígenas - 108 milhões de hectares - está na chamada Amazônia Legal, que abrange os Estados de Tocantins, Mato Grosso, Roraima, Rondônia, Pará, Amapá, Acre e Amazonas. Quase 27% do território amazônico hoje é ocupado por terras indígenas.


Produtores rurais


Os rizicultores começaram a ocupar a região nos anos 70 e hoje representam um dos setores mais importantes da economia do Estado. Depois do arroz, vendido principalmente em Manaus, estão começando a plantar soja. Apesar disso, não possuem títulos de propriedade - e não têm direito a indenização por elas, só pelas benfeitorias.

(Com Roldão Arruda, de O Estado de S. Paulo)

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Em busca da crise

(JANIO DE FREITAS)

O investimento na crise militar tem mais aplicadores, muito mais do que supõem otimistas da democracia, entre civis

AS PORTAS estão abertas, e hoje haverá quem tente escancará-las, para um investimento fácil, no Brasil, além das aplicações nas suas Bolsas e nos seus juros. É o investimento em uma crise militar, no qual há mais aplicadores, muito mais do que supõem os otimistas da democracia, entre civis. Por exemplo, no PSDB e no DEM-PFL, que pretendem tentar, logo mais, a convocação do general Augusto Heleno Ribeiro Pereira para outra palestra incandescente, desta vez no Senado, sobre a oposição de militares à política indigenista do governo.

Nessa iniciativa em que se unem os comandos dos dois partidos oposicionistas, a busca de oposição ao governo se confunde com a atitude de oposição à ordem institucional da democracia incipiente. No mínimo, é um ato irresponsável de desespero pelo aturdimento, decorrente da própria incapacidade de encontrar políticas inteligentes de oposição e, como conseqüência, perspectivas promissoras para os seus partidos.

Nada se salva na iniciativa, originária dos senadores Sérgio Guerra e Arthur Virgílio, presidente e líder do PSDB no Senado, em momento de contraditório esquecimento. Seu apoio à corrente das Forças Armadas ainda proveniente do regime militar, agora de volta à ação publicamente política, desconsidera um dado fundamental: foi o governo do PSDB que fez a demarcação da reserva indígena Raposa/Serra do Sol. E as razões pelas quais militares atacam a política indigenista do governo Lula advêm, todas, da modalidade que aquela demarcação deu, com a aprovação de Fernando Henrique e do PSDB, à reserva já discutida por uns 30 anos.

O DEM-PFL não fica melhor. Sua nota de apoio ao ato no Clube Militar e ao general Augusto Heleno Pereira, que incluíram a exigência peremptória de que o governo faça a "mudança imediata" da política indigenista e suspenda a homologação da reserva, foi primária como teor e também irresponsável como propósito. Nem como oportunismo barato, em um partido que vê Lula carrear suas velhas bases nordestinas e nortistas, o açodamento teria sentido. A nota não chegou a um só daqueles eleitores evaporados, e de outros não traria nem um só voto para os demistas -que, se vê mais uma vez com esse caso, não justificam que a mídia os chame de "os democratas".

O requerimento de convocação do general, prometido para hoje na Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional do Senado, refere-se a depoimento em sessão secreta. Nada mais vazio, em política, do que o sentido de secreto. A maioria dos presentes estará logo pronta a abastecer jornalistas (muito agradecido, pelo que me toca) de relatos do que foi dito e quem o disse na sessão secreta. O pormenor no requerimento é, digamos, uma concessão ao pudor. Mesmo porque Arthur Virgílio, em seu primeiro comentário à exaltada manifestação do general, ao apoio contraditório juntou a ressalva de que a manifestação militar era imprópria por ser pública e por ser no Clube Militar.

Secreta ou não, a pretendida convocação tem óbvia finalidade agitadora -nem haveria como ter outra. O general Augusto Heleno Pereira, tido como identificado com a velha linha dura, constitui-se em uma figura polêmica. Chegou ao noticiário por ocasião das investigações em torno do (ex)juiz Nicolau dos Santos Neto, quando foram descobertos quase 200 telefonemas desse hoje condenado para o Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República, cerca de metade reconhecida pelo general como destinada a ele.

Em junho de 2004, o general Augusto Heleno Pereira assumiu a chefia da Força de Estabilização do Haiti (chamada Minustah), tropa composta pela ONU com 6.500 soldados de 12 países para deter a desordem posterior à derrubada, pelo governo Bush, do presidente (eleito) Jean-Bertrand Aristide. Em março de 2005, porém, foi lançado nos Estados Unidos e na Suíça o relatório "Mantendo a paz no Haiti?", do Centro de Justiça Global e da Universidade Harvard, com críticas severas envolvendo o comando do general brasileiro. Eis um trecho:

"A Minustah tem dado cobertura à campanha de terror da polícia nas favelas de Porto Príncipe. E mais impressionante do que a cumplicidade com abusos da Polícia Nacional do Haiti são as acusações de violações de direitos humanos perpetradas pela própria Minustah". Seguiam-se casos, com dados. O general, como esperado, refutou as críticas. Mas já provocara um incidente internacional, alguns meses depois de chegar ao Haiti: atribuiu a violência no país ao então candidato democrata à Presidência dos EUA, John Kerry, que criticara a derrubada de Aristide. O general, como foi dito à época, "recuou das declarações".

Com apenas um ano e dois meses no Haiti, o general Augusto Heleno Pereira deixou o comando. Sua explicação pessoal para a volta, ao chegar, foi de pedido seu, por já ter "ficado bastante lá" (a tropa e os brasileiros estão até hoje no Haiti). No discurso de passagem do comando, fizera emocionado agradecimento à família pela "força dada diante das críticas injustas".

Com sua manifestação para a platéia do Clube Militar, o general Augusto Heleno Ribeiro Pereira reabriu portas para o que pode ficar como polêmica mal posta, mas há quem prefira involuí-la para crise.

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