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segunda-feira, 31 de agosto de 2009

No Ar, o Blog do Planalto!

Convido os professores e demais leitores deste blog a conhecer o blog do planalto, que foi ao ar nesta madrugada.

É uma ferramenta histórica no sentido de que podemos acompanhar os passos do presidente Lula e dos próximos/as presidentes/as. Podemos concordar ou discordar, com a diferença de poer ler informações vindas diretamente da fonte, sem passar pela mediação e deformação que quase sempre vemos na mídia.

A grande discussão de hoje no país foi o pré-sal, reproduzo na íntegra o discurso do presidente Lula, vale leitura. E para quem desejar ouvi-lo, vá conhecer o blog do Planalto

Discurso de Lula sobre o pré-sal, reproduzido de Vermelho:

Minha querida companheira Marisa Letícia,
Excelentíssimo senhor presidente do Senado, José Sarney,
Excelentíssimo presidente da Câmara dos Deputados, Michel Temer,
Ministra Dilma Roussef, ministra-chefe da Casa Civil da Presidência da República; ministro Edison Lobão, de Minas e Energia, em nome dos quais cumprimento todos os ministros aqui presentes,
Quero cumprimentar todos os governadores que vieram ao lançamento do pré-sal,
Quero cumprimentar as autoridades dos Superiores Tribunais aqui de Brasília,
Quero cumprimentar os nossos amigos senadores e deputados que estão presentes,
Quero cumprimentar os membros do corpo diplomático,
Quero cumprimentar os prefeitos aqui presentes,
Em nome dos empresários eu gostaria de cumprimentar o nosso companheiro José Sérgio Gabrielli, presidente da nossa gloriosa Petrobras,
E o Luciano Coutinho, presidente do BNDES,

Minhas amigas e meus amigos,

Hoje é um dia histórico.

O governo está enviando ao Congresso Nacional sua proposta do marco regulatório para a exploração de petróleo e gás no chamado pré-sal.

Estou seguro de que, nos próximos meses, os deputados e senadores, recolhendo também as contribuições de governadores e prefeitos, aperfeiçoarão as propostas do governo, trabalhando com responsabilidade, espírito público, compromisso com o país e, sobretudo, muita visão de futuro.

Estou seguro também de que o povo brasileiro entrará de corpo e alma nesse debate tão importante para o destino do Brasil e para o futuro dos nossos filhos.

Porque esse não é um assunto apenas para os iniciados e especialistas. Nem é tampouco um tema que deva ficar restrito somente ao parlamento. Ao contrário, ele interessa a todos e depende de todos.

Por isso mesmo, quero convocar cada brasileiro e cada brasileira a participar desse grande debate. Trabalhadores, donas de casa,
lavradores, empresários, intelectuais, cientistas, estudantes, servidores públicos, todos podem e devem contribuir para que tomemos as melhores decisões.

Minhas amigas e meus amigos,

O chamado pré-sal contém jazidas gigantescas de petróleo e gás, situadas entre cinco e sete mil metros abaixo do nível do mar, sob uma camada de sal que, em certas áreas, alcança mais de 2 mil metros de espessura.

Não se pode ainda dizer, com certeza, quantos bilhões de barris o pré-sal acrescentará às reservas brasileiras. Mas já se pode dizer, com toda segurança, que ele colocará o Brasil entre os países com maiores reservas de petróleo do mundo.

Trata-se de uma das maiores descobertas de petróleo de todos os tempos. E em condições extremamente importantes: as reservas encontram-se num país de grandes dimensões, de grande população e de abundantes recursos naturais. Um país que conta com um regime político estável e instituições democráticas em pleno funcionamento. Um país pacífico que faz questão de viver em paz com seus vizinhos. Um país que possui uma economia sofisticada, com um parque industrial diversificado, uma agropecuária de ponta e um setor de serviços moderno. Um país que, tendo dado passos importantes na superação das desigualdades sociais, encontrou seu caminho e está maduro para dar um salto no desenvolvimento.

Como já disse em outra oportunidade, o pré-sal é uma dádiva de Deus. Sua riqueza, bem explorada e bem administrada, pode impulsionar grandes transformações no Brasil, consolidando a mudança de patamar de nossa economia e a melhoria das condições de vida de nosso povo.

Mas o pré-sal também apresenta perigos e desafios. Se não tomarmos as decisões acertadas, aquilo que é um bilhete premiado pode transformar-se em fonte de enormes problemas. países pobres que descobriram muito petróleo, mas não resolveram bem essa questão, continuaram pobres.

Outros caíram na tentação do dinheiro fácil e rápido. Passaram a exportar a toque de caixa todo o óleo que podiam e foram inundados por moedas estrangeiras. Resultado: quebraram suas indústrias e desorganizaram suas economias. E, assim, o que era uma dádiva transformou-se numa verdadeira maldição.

Para evitar esse risco, desde o primeiro instante, determinei à comissão de ministros que preparou o marco regulatório do pré-sal que trabalhasse em cima de três diretrizes básicas.

Primeira: o petróleo e o gás pertencem ao povo e ao Estado, ou seja, a todo o povo brasileiro. E o modelo de exploração a ser adotado, num quadro de baixo risco exploratório e de grandes quantidades de petróleo, tem de assegurar que a maior parte da renda gerada permaneça nas mãos do povo brasileiro.

A segunda diretriz é de que o Brasil não quer e não vai se transformar num mero exportador de óleo cru. Ao contrário, vamos agregar valor ao petróleo aqui dentro, exportando derivados, como gasolina, óleo diesel e produtos petroquímicos, que valem muito mais. Vamos gerar empregos brasileiros e construir uma poderosa indústria fornecedora dos equipamentos e dos serviços necessários à exploração do pré-sal.

A terceira diretriz: não vamos nos deslumbrar e sair por aí, como novos ricos, torrando dinheiro em bobagens. O pré-sal é um passaporte para o futuro. Sua principal destinação deve ser a educação das novas gerações, a cultura, o meio ambiente, o combate à pobreza e uma aposta no conhecimento científico e tecnológico, por meio da inovação. Vamos investir seus recursos naquilo que temos de mais precioso e promissor: nossos filhos, nossos netos, nosso futuro.

Ao examinar os projetos de lei que estamos enviando hoje ao Congresso, depois de tanto trabalho e estudo, vejo com satisfação que eles estão em perfeita sintonia com essas diretrizes.

Minhas amigas e meus amigos,

Uma mudança importante no marco regulatório será a adoção do modelo de partilha de produção no pré-sal e em outras áreas de potencial e características semelhantes. É uma mudança absolutamente necessária e justificada.

Estamos vivendo hoje um cenário totalmente diferente daquele que existia em 1997, quando foi aprovada a Lei 9.478, que acabou com o monopólio da Petrobras na exploração do petróleo e instituiu o modelo de concessão.

Naquela época, o mundo vivia um contexto em que os adoradores do mercado estavam em alta e tudo que se referisse à presença do Estado na economia estava em baixa. Vocês devem se lembrar como esse estado de espírito afetou o setor do petróleo no Brasil. Altas personalidades naqueles anos chegaram a dizer que a Petrobras era um dinossauro – mais precisamente, o último dinossauro a ser desmantelado no país. E, se não fosse a forte reação da sociedade, teriam até trocado o nome da empresa. Em vez de Petrobras, com a marca do Brasil no nome, a companhia passaria a ser a Petrobrax – sabe-se lá o que esse xis queria dizer nos planos de alguns exterminadores do futuro.

Foram tempos de pensamento subalterno. O país tinha deixado de acreditar em si mesmo. Na economia, campeava o desalento. O Brasil não conseguia crescer, sofria com altas taxas de juros, de desemprego, e juros estratosféricos, apresentava dívida externa elevadíssima e praticamente não tinha reservas internacionais. Volta e meia quebrava, sendo obrigado a pedir ao FMI ajuda, que chegava sempre acompanhada de um monte de imposições.

Além disso, não produzíamos o petróleo necessário para nosso consumo. Ferida, desestimulada e desorientada, a Petrobras vivia um momento muito difícil. Tinha dificuldades de captação externa e não contava com recursos próprios para bancar os investimentos. Nessa época, é bom lembrar – e a Dilma já falou – o preço do barril do petróleo estava em torno de US$ 19.

Hoje, nós vivemos um quadro é inteiramente diferente. Em primeiro lugar, os países e os povos descobriram na recente crise financeira internacional que, sem regulação e fiscalização do Estado, o deus-mercado é capaz de afundar o mundo num abrir e fechar de olhos. O papel do Estado, como regulador e fiscalizador, voltou, portanto, a ser muito valorizado.

A economia do Brasil vive também um novo momento. De 2003 a 2008, crescemos em média, 4,1% ao ano. Nos últimos dois anos, nosso crescimento foi superior a 5%. Nesse período, o país gerou cerca de onze milhões de empregos com carteira assinada. O desemprego caiu de 11,7% para 8%, em 2008. Hoje, as taxas de juros atuais são as menores de muitas décadas em nosso país.

Não só pagamos a dívida externa pública, como acumulamos reservas superiores a US$ 215 bilhões. E mais: reduzimos de modo consistente a miséria e as desigualdades sociais. Mais de 30 milhões de brasileiros saíram da linha da pobreza e 2 milhões ingressaram... e 20 milhões ingressaram na nova classe média, fortalecendo o mercado interno e dando vigoroso impulso à nossa economia.

O fato é que hoje temos uma economia organizada, pujante e voltada para o crescimento. Uma economia que foi testada na mais grave crise internacional desde 1929 e saiu-se muito bem na prova. Não só não quebramos, como fomos um dos últimos países a entrar na crise e estamos sendo um dos primeiros a sair dela. Antes, éramos alvo de chacotas e de imposições. Hoje, nossa voz, a voz do Brasil, é ouvida lá fora com muita atenção e com muito respeito.

Meus queridos companheiros e companheiras,

Desde o primeiro instante, meu governo deu toda força à Petrobras. Passamos a cuidar com muito carinho do nosso querido dinossauro. Os recursos da empresa destinados à pesquisa e ao desenvolvimento deram um salto de US$ 201 milhões, em 2003, para R$ 960 milhões, em 2008.

A companhia voltou a investir, aumentou a produção, abriu concursos para contratação de funcionários, encomendou plataformas, modernizou e ampliou refinarias, além de construir uma grande infra-estrutura de gás natural e entrar também na era de biocombustíveis.

Deixamos claro que nossa política era fortalecer, e não debilitar, a Petrobras. E a companhia – estimulada, recuperada e bem comandada – reagiu de forma impressionante.

Resultado: a Petrobras vive hoje um momento singular. É o orgulho do país. É a maior empresa do Brasil. É a quarta maior companhia do mundo ocidental. Entre as grandes petroleiras mundiais, é a segunda em valor de mercado. É um exemplo em tecnologia de ponta. Descobriu as reservas do pré-sal, um feito extraordinário, que encheu de admiração o mundo e de muito orgulho os brasileiros. É uma empresa com crédito e autoridade internacionais. Tanto que, nos últimos meses, levantou cerca de US$ 31 bilhões em empréstimos. Seus investimentos previstos até 2013 somam US$ 174 bilhões.

E ainda para ajudar, para completar, o preço do barril de petróleo oscila hoje em torno de US$ 65, mais do triplo do que em 1997.

Em suma, os tempos e o ambiente no mundo são outros. A situação da economia brasileira é outra. O Brasil e o prestígio do Brasil são outros. A Petrobras é outra. E outra também é a situação do mercado do petróleo.

Minhas amigas e meus amigos,

Também não há termos de comparação entre as áreas que vinham sendo exploradas até agora e as áreas do pré-sal.

No pré-sal, os riscos exploratórios são baixíssimos. A taxa de sucesso dos poços operados pela Petrobras na área é de 87%, sendo que nos blocos situados na Bacia de Santos ela é de 100%. Foram 13 poços perfurados. E nos 13 comprovou-se a existência de grandes quantidades de óleo e gás, com excelentes perspectivas de viabilidade econômica.

Nessas circunstâncias, seria um grave erro manter na área do pré-sal, de baixíssimo risco e grande rentabilidade, o modelo de concessões, apropriado apenas para blocos de grande risco exploratório e baixa rentabilidade.

No modelo de concessões, a União, proprietária do subsolo, permite que as companhias privadas procurem petróleo, mediante o pagamento de uma taxa chamada bônus de assinatura. Se elas encontrarem óleo ou gás, podem extraí-lo e comercializá-lo como quiserem. São donas do petróleo arrancado das entranhas da terra, porque, a partir da boca do poço, a União perde os direitos de propriedade, recebendo apenas uma parcela pequena da renda do petróleo, na forma de royalties e participações especiais.

Já no modelo de partilha, que prevalece em todo o mundo em áreas de baixo risco exploratório e grande rentabilidade, a União continuará dona da maior parte do petróleo e do gás mesmo depois de sua extração. Nesse modelo, o Estado não transfere toda a propriedade do óleo para grupos privados, mas fecha contratos para a exploração e a produção em determinada área – diretamente com a Petrobras ou, mediante licitação, no caso de outras companhias.

No modelo de partilha, as empresas são remuneradas com uma parcela do óleo extraído, suficiente para cobrir seus custos e investimentos e ainda proporcionar uma rentabilidade adequada ao risco do projeto. Já o Estado fica com a maior parte dos lucros da exploração e produção de petróleo, parte esta bem superior ao que recebe hoje no regime de concessão. A regra do modelo de partilha é clara: nas licitações, vence a empresa que oferecer a maior parcela do lucro da operação para o Estado e para o povo brasileiro.

Amigas e amigos,

Como no modelo de partilha a maior parte do petróleo, mesmo depois de extraído, continuará a pertencer ao Estado, ela controlará o processo de produção. Assim, ela poderá definir claramente o ritmo de extração, calibrando-o de acordo com os interesses nacionais, sem se subordinar às exigências do mercado. Dessa maneira, ficará mais fácil para o Brasil contornar os riscos inerentes à produção excessiva, que poderia inundar o país de dinheiro estrangeiro, desorganizando nossa economia – aquilo que os especialistas chamam de doença holandesa.

Além disso, poderemos produzir petróleo nas condições que mais convêm ao país. E desse modo poderemos aproveitar a riqueza do petróleo, que Deus nos deu, para produzir mais riqueza ainda com o nosso trabalho.

Dessa forma, consolidaremos uma poderosa e sofisticada indústria petrolífera, promoveremos a expansão da nossa indústria naval e converteremos o Brasil num dos maiores pólos mundiais da indústria petroquímica do mundo.

Trabalhando com essa perspectiva, encomendaremos – e produziremos aqui dentro – milhares e milhares de equipamentos, gerando emprego, salário e renda para milhões de brasileiros.

Minhas amigas e meus amigos,

Para gerir os contratos de partilha e os contratos de comercialização de petróleo e gás, zelando pelos interesses do Estado e do povo brasileiro, estamos criando uma nova empresa estatal na área do petróleo, a Petrosal.

Ela não concorrerá com a Petrobras, já que não participará da prospecção ou da exploração de petróleo e gás. Sua missão é inteiramente diferente. A nova estatal será, isso sim, a representante dos interesses do Estado brasileiro, o olho atento do povo brasileiro, acompanhando e fiscalizando a execução dos contratos firmados na área do pré-sal.

Será uma empresa enxuta, com corpo técnico altamente qualificado, formado por profissionais com experiência comprovada. Em vários países que adotaram o modelo de partilha, empresas com esse caráter revelaram-se imprescindíveis para defender os interesses públicos e nacionais nas negociações e na gestão de contratos e processos complexos e sofisticados como os que caracterizam a indústria petrolífera.

Minhas amigas e meus amigos,

Se vocês estão cansados, imaginem eu. Outra novidade importante é a criação do Fundo Social. Ele será responsável pela administração da renda do petróleo e pela sua aplicação em investimentos seguros e de boa rentabilidade, tanto no Brasil como no exterior.

De um lado, o novo fundo será uma mega-poupança, um passaporte para o futuro, que preservará e incrementará a renda do petróleo por muitas e muitas décadas. Os rendimentos do fundo serão canalizados, prioritariamente, para a educação, a cultura, o meio ambiente, a erradicação da pobreza e a inovação tecnológica. Vamos aproveitá-los para pagar a imensa dívida que o país tem com a educação e para permitir que a aplicação do conhecimento científico seja, na verdade, a nossa maior garantia do nosso futuro.

De outro lado, o novo fundo funcionará, também, como um dique contra a entrada desordenada de dinheiro externo, evitando seus efeitos nocivos e garantindo que nossa economia siga saudável, forte e baseada no trabalho e no talento dos milhões e milhões de brasileiros.

Assim, a renda gerada pela produção do pré-sal será administrada de forma planejada e inteligente. E seu ingresso na economia nacional será dosado de modo a fortalecê-la e a impulsioná-la, jamais a desorganizá-la.
Minhas amigas e meus amigos,

Não poderia deixar de prestar aqui uma sincera homenagem à Petrobras, a sua diretoria e a todo o seu corpo de funcionários.

A descoberta do pré-sal, que coloca o Brasil num novo patamar no cenário mundial, não foi fruto do acaso ou de um golpe de sorte. Ao contrário, ela só foi possível graças ao talento, à competência e à determinação da Petrobras. E também, é claro, graças ao revigoramento da empresa nos últimos anos, à recuperação da sua autoestima e aos investimentos crescentes em pesquisa e prospecção.

Poucas empresas no mundo têm hoje a experiência da Petrobras na exploração de petróleo em águas profundas e ultraprofundas. E nenhuma empresa petrolífera conhece e é capaz de obter resultados tão expressivos em nossa plataforma submarina como ela. Trata-se de um ativo, de um patrimônio de enorme valor, que deve ser bem e de forma extraordinária aproveitado.

Por isso mesmo, a Petrobras terá um status especial no marco regulatório do pré-sal. Será a única empresa operadora nessa província. Outras empresas poderão ter participação, inclusive majoritária, nos consórcios que explorarão os blocos contratados. Mas a operação – vale dizer, a exploração, o desenvolvimento, a produção e a desativação das instalações – estará sempre a cargo da nossa querida e orgulhos Petrobras.

Além disso, as reservas do pré-sal, que pertencem ao Estado e ao povo brasileiro, oferecem uma excelente oportunidade para que a União fortaleça a Petrobras para enfrentar os novos desafios. Nesse sentido, estamos enviando projeto de lei ao Congresso Nacional autorizando a União a promover aumento de capital da companhia. O valor total do aumento de capital será aquilo que a ministra Dilma já falou, de até cinco bilhões de barris equivalentes de petróleo, obviamente, relativos às jazidas contíguas às áreas que a empresa já detém no pré-sal.

Nos termos da lei, os acionistas minoritários que desejarem participar dessa chamada de capital poderão adquirir ações da companhia, o que contribuirá para reforçar economicamente nossa maior empresa nesse momento decisivo.

Se os acionistas minoritários não exercerem integralmente seus direitos de opção, a capitalização promovida pela União implicará aumento da participação do povo brasileiro no capital total da Petrobras.

Minhas amigas e meus amigos,

Nesse momento em que o Brasil discute o melhor caminho para se tornar um grande produtor mundial de petróleo, quero render minhas homenagens a todos os brasileiros que lutaram para que este sonho se transformasse em realidade.

Em primeiro lugar, homenageio os que acreditaram quando era mais fácil descrer. E não deram ouvidos às aves de mau agouro que, durante décadas, apregoaram aos quatro ventos que o Brasil não tinha petróleo. Foram, por isso, chamados de fanáticos e maníacos. Ainda bem que houve fanáticos que nos ensinaram a duvidar dos preconceitos e a ter fé em nossas próprias forças.

Rendo minha homenagem também aos que se insurgiram contra a ladainha que proclamava que, mesmo que o Brasil tivesse petróleo, não teria competência para explorá-lo. E que deveria deixar essa tarefa para o capital estrangeiro. Muitos foram tachados de lunáticos, prisioneiros de uma idéia fixa, como o grande e saudoso Monteiro Lobato, porque teimaram em lutar para que o Brasil explorasse suas riquezas. Benditos lunáticos que ensinaram o país a enxergar longe, em tempos de escuridão, e iluminaram os caminhos dos que vieram depois.

Rendo minha homenagem ainda aos que saíram às ruas em todo o país na campanha do “O Petróleo é nosso”, levando o presidente Getúlio Vargas a instituir o monopólio estatal do petróleo e a criar a Petrobras. Foi uma batalha travada em condições duríssimas. Basta ler os jornais da época, alguns em circulação até hoje, que ridicularizavam a campanha nacionalista. E eu digo: bendito nacionalismo, que permitiu que as riquezas da nação permanecessem em nossas mãos.

Rendo homenagem muito especial, por fim, a todos os que defenderam a Petrobras quando ela foi atacada ao longo de sua história – e ainda hoje – e aos funcionários e petroleiros que se mantiveram de pé quando a empresa passou a ser tratada como uma herança maldita do período jurássico. Benditos amigos e companheiros do dinossauro, que sobreviveu à extinção, deu a volta por cima, mostrou o seu valor. E descobriu o pré-sal – patrimônio da União, riqueza do Brasil e passaporte para o nosso futuro.

Olho para trás e vejo que há algo em comum em todos esses momentos, algo que unifica e dá sentido a essa caminhada, algo que nos trouxe até aqui e ao dia de hoje: é, sinceramente, a capacidade do povo brasileiro de acreditar em si mesmo e no nosso país. Foi em meio à descrença de tantos que querem falar em seu nome... O povo – principalmente ao povo – devemos esse momento atual.

É como se houvesse uma mão invisível – não a do mercado, da qual já falaram tanto, mas outra, bem mais sábia e permanente, a mão do povo – tecendo nosso destino e construindo nosso futuro. Não creio que seja uma coincidência o fato de a Petrobras ter descoberto as grandes reservas do pré-sal justamente num momento da vida política nacional em que o povo também descobriu em si mesmo grandes reservas de energia e de esperança. Num momento em que o país, deixando para trás o complexo de inferioridade que lhe inculcaram durante séculos, aprendeu como é bom andar de cabeça erguida e olhar com confiança para o futuro.

Muito obrigado, companheiros.

sexta-feira, 28 de agosto de 2009

A ideologia neoliberal desmentida com dados

Produtividade no setor público supera a do setor privado

O Ipea avaliou a evolução da diferença de produtividade entre esses dois setores entre 1995 e 2006. “Em todos os anos pesquisados, a produtividade da administração pública foi maior do que a registrada no setor privado. E essa diferença foi sempre superior a 35%”, diz o presidente do instituto, Marcio Pochmann (foto). “Há muita ideologia e poucos dados nas argumentações de que o Estado é improdutivo, e os números mostram isso: a produtividade na administração pública cresceu 1,1% a mais do que o crescimento produtivo contabilizado no setor privado, durante todo o período analisado”, acrescenta.

Redação - Carta Maior

A administração pública é mais produtiva do que o setor privado. Essa foi uma das conclusões a que chegou o estudo Produtividade na Administração Pública Brasileira: Trajetória Recente, divulgado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. O Ipea avaliou a evolução da diferença de produtividade entre esses dois setores entre 1995 e 2006.

“Em todos os anos pesquisados, a produtividade da administração pública foi maior do que a registrada no setor privado. E essa diferença foi sempre superior a 35%”, afirmou o presidente do Ipea, Marcio Pochmann, ao divulgar o estudo. “No último ano do estudo [2006], por exemplo, a administração pública teve uma produtividade 46,6% maior [do que a do setor privado]. O ano em que essa diferença foi menor foi 1997, quando a pública registrou produtividade 35,4% superior à da privada”.

O estudo diz que entre 1995 e 2006 a produtividade na administração pública cresceu 14,7%, enquanto no setor privado esse crescimento foi de 13,5%. “Há muita ideologia e poucos dados nas argumentações de que o Estado é improdutivo, e os números mostram isso: a produtividade na administração pública cresceu 1,1% a mais do que o crescimento produtivo contabilizado no setor privado, durante todo o período analisado”.

Segundo o Ipea, a administração pública é responsável por 11,6% do total de ocupados no Brasil. No entanto, representa 15,5% do valor agregado da produção nacional. “A produção na administração pública aumentou 43,3% entre 1995 e 2006, crescimento que ficou mais evidente a partir de 2004. No mesmo período, os empregos públicos aumentaram apenas 25%. Isso mostra que a produtividade aumentou mais do que a ocupação”, argumentou o presidente do Ipea. "Esse estudo representa a configuração de uma quebra de paradigma, porque acabou desconstruindo o mito de que o setor público é ineficiente”, defendeu Pochmann.

Entre os motivos que justificariam o aumento da eficiência produtiva da administração pública, Pochmann destacou as recentes inovações, principalmente ligadas às áreas tecnológicas que envolvem Informática; os processos mais eficientes de licitação; e a certificação digital, bem como a renovação do serviço público, por meio de concursos.

O presidente do Ipea lembrou ainda que as administrações estaduais que adotaram medidas de choque de gestão, como São Paulo, Minas Gerais e Rio Grande do Sul, não constam entre aquelas com melhor desempenho na produtividade. "Ou tiveram ganho muito baixo, ou ficaram abaixo da média de 1995 a 2006", afirmou, ressalvando que essa comparação não era objetivo do estudo, mas foi uma das conclusões observadas.

terça-feira, 25 de agosto de 2009

A estratégia política dos EUA em relação ao Brasil

Por Manuel Cambeses Júnior, 25.08.2009

As dimensões geográficas, demográficas e econômicas do Brasil, seu potencial, sua privilegiada posição geopolítica e geoestratégica no continente sul-americano, voltado de frente para o continente africano, o tornam o único possível rival à influência hegemônica dos Estados Unidos no Hemifério Ocidental Sul.

Assim, a estratégia estadunidense geral visa preservar a aproximação com o Brasil, aumentar a sua influência sobre a elite brasileira, convencê-la da inevitabilidade, irresistibilidade e dos benefícios da influência hegemônica e da liderança norte-americana no hemisfério. Em segundo lugar, cooperar para que o país se mantenha como ponto de equilíbrio ao sul, mas que ao mesmo tempo não se desenvolva, econômica e militarmente, em níveis que possam torná-lo competitivo com os Estados Unidos, em termos de influência econômica e política, na região do Hemisfério Ocidental.

Desta forma, ao mesmo tempo em que se aplicam ao Brasil alguns dos objetivos estratégicos em nível mundial e para a América Latina, é possível identificar objetivos estratégicos específicos da superpotência hegemônica para o Brasil.

Do ponto de vista de sua estratégia militar, os EUA têm procurado, em primeiro lugar, manter a influência americana sobre a doutrina e o equipamento militar brasileiro, enquanto, a partir da queda do Muro de Berlim e dentro do enfoque geral de desarmamento da periferia, argumentam que a inexistência de inimigos, ameaças, visíveis no momento atual, fazem prever uma era de paz perpétua, em que as Forças Armadas brasileiras devem ser reduzidas em efetivos e se adaptar à luta contra os “novos inimigos”, quais sejam, o narcotráfico, o terrorismo, etc. Em segundo lugar, sua estratégia tem como objetivo evitar o surgimento de uma indústria bélica brasileira de nível competitivo e, muito em especial, evitar a aquisição pelo Brasil de tecnologias de armas modernas e de destruição em massa.

A estratégia política norte-americana em relação ao Brasil tem como seu principal objetivo apoiar os governos brasileiros que sejam receptivos à iniciativas políticas americanas no hemisfério e em geral e, simultaneamente, manter canais abertos ao diálogo com a oposição, mesmo a oposição a esses governos “simpáticos”. Como corolário desse objetivo maior, a estratégia estadunidense procura evitar a articulação brasileira com outros Estados que possa pôr em risco a hegemonia e a capacidade de negociação americana.

Um aspecto de sua estratégia tem sido convencer a sociedade e o governo brasileiro da “culpa exclusiva” brasileira pela situação de direitos humanos no país e pela situação de subdesenvolvimento em geral e até eliminar o conceito de “desenvolvimento”, substituindo-o pela noção de injustiça. A lapidar frase “O Brasil não é mais um país subdesenvolvido, é um país injusto” reflete, cabalmente, a equivocada percepção de um amplo setor da intelectualidade brasileira, e que é, cada vez mais, desmentida cotidianamente pela realidade.

No campo econômico, a estratégia americana tem como objetivo máximo assegurar a maior liberdade de ação possível para as empresas americanas, evitar o surgimento de empresas competidoras fortes de capital brasileiro no Brasil e, como corolário, reduzir o papel do Estado como investidor, regulamentador e fiscalizador da atividade econômica. Secundariamente, porém certamente de forma complementar, procura sugerir com insistência a adoção de políticas de “crescimento” econômico com base em vantagens comparativas estáticas e propugnar o combate assistencial à pobreza de preferência a uma estratégia de desenvolvimento econômico e social.

A estratégia ideológica, que é central para todas as demais, procura convencer a elite e a população brasileira do desinteresse e do altruísmo americano em suas relações com o Brasil, inclusive com o objetivo de garantir o apoio da elite brasileira à idéia de liderança americana benéfica no continente e no mundo. Para atingir tais objetivos, a estratégia estadunidense considera como imprescindível garantir o livre acesso dos instrumentos de difusão do American Way of Life à sociedade brasileira e formar grupos de influência norte-americana no Brasil e, como meio, formar a elite brasileira em instituições americanas.

Como reverter essa influência nefasta para a Nação? Eu diria que através de medidas governamentais – abrangendo o amplo espectro da tecitura social -, no sentido de esclarecer a sociedade brasileira das mazelas do Neoliberalismo e do “atrelamento automático” aos ditames da superpotência mundial. Faz-se mister conscientizar e mobilizar as elites brasileiras no sentido de que dispam-se do comodismo e assumam atitudes corajosas objetivando reeducar as nossas lideranças e o povo em geral, criando condições favoráveis ao florescimento de uma atitude mais nacionalista, mais patriótica e mais favorável ao surgimento de um desenvolvimento autóctene, sem a intromissão de potências estrangeiras em assuntos de natureza interna, em nosso país.

(*) Coronel-aviador, conferencista especial da ESG, membro do Instituto de Geografia e História Militar do Brasil e vice-diretor do Instituto Histórico-Cultural da Aeronáutica.

Artigo publicado no Monitor Mercantil.

Fonte online: Viomundo


55 anos: Vargas sobrevive no Estado brasileiro

O artigo destacado abaixo é do blog Escrevinhador. Quem ainda não conhece este blog do historiador e jornalista Rodrigo Vianna precisa conhecer e se tornar leitor/a assíduo/a. O Escrevinhador é um dos melhores blogs de análise da mídia e política brasileiras que conheço.


Por Rodrigo Vianna

24/08/2009


No dia 23 de agosto de 1954, Getúlio Vargas mandou avisar, através do jornal "Última Hora", o único que não aderira à campanha contra seu governo: "Só saio morto do Catete".

A UDN e Carlos Lacerda - que queriam depor o presidente - acreditaram que era um blefe.

No dia 24 de agosto, há exatos 55 anos, Vargas cumpriu a promessa: deu um tiro no peito e adiou por dez anos o golpe da direita.

Quatro décadas depois, a nova UDN tentou matar Vargas pela segunda vez. Fernando Henrique Cardoso prometeu "enterrar a era Vargas". Não conseguiu.

O mito se esvaece, mas Vargas sobrevive no Estado brasileiro

Curiosamente, há pouca gente no Brasil hoje que se define como "getulista". O culto a Vargas, felizmente a meu ver, não existe. Mas Vargas sobrevive no Estado brasileiro.

O BNDES é Vargas, os bancos públicos são Vargas, a Petrobrás é Vargas, a Previdência Social (cheia de defeitos, mas um dos maiores programas sociais do mundo) é Vargas. E o Bolsa-Família, de certa forma, também é Vargas.

Outro fato curioso: na Argentina, Perón sobrevive como um mito. Ele e Evita são cultuados. Mas o Estado que ele criou não existe mais. Foi desmontado por um "peronista", Carlos Menem, que levou o neo-liberalismo ao pé da letra.

Na Argentina, o mito de Perón sobrevive, enquanto o Estado peronista desapareceu.

No Brasil, o mito de Vargas se esvaeceu. Mas, no Estado brasileiro, Vargas sobrevive.

Para mim, é prova de que a obra dele foi maior, muito mais duradoura, do que a obra de Perón.

A idéia do Estado forte está entranhada na mente dos brasileiros. Maior prova disso é a foto boçal do candidato udenista, em 2006. Alckmin precisava provar que não venderia o Estado brasileiro, como fizera o governo de seu partido nos anos 90. É a prova maior de que FHC falhara na tentativa pretensiosa de "enterrar a era Vargas".

Curiosamente, também, no comando do Estado brasileiro hoje está uma facção politica que fazia a crítica de Vargas. Lula e os sindicalistas do ABC pensavam que iriam "superar" Vargas. Influenciados pelos acadêmicos paulistas, como Weffort (que era tucano, mas esquecera de avisar), reduziam Vargas, com dois conceitos simplistas: "populista" e "paternalista".

Por ironia da história, o governo Lula a meu ver passou bem pela grave crise internacional porque soube manejar bem os instrumentos criados por Vargas.

Guido Mantega, ironizado pelos sabichões tucanos das PUCs e USPs, conduziu com maestria o contra-ataque à crise. Manejando bem as alavancas do Estado. Os bancos públicos ajudaram a destravar o crédito. Se tivéssemos vendido tudo, como queriam os tucanos, qual ferramenta teria o Brasil para enfrentar a crise?

O Guido Mantega, com seu sotaque de genovês, mas com seu apreço pelo Brasil, pode não saber: mas ele também é um pouco Getúlio Vargas.

O Estado - demonizado nos anos 90 - ajudou a salvar o Brasil da crise...

Getúlio Vargas foi um ditador. Foi. Ponto. O Estado Novo foi uma ditadura.

Mas reduzir Vargas a isso é pensar pequeno.

O Brasil precisa lembrar do Vargas dos anos 50: eleito pelo povo, nacionalista, indepedente. Lembrar dele não como um mito, acima do bem do mal. Mas como prova de que o Brasil dá certo. Sempre que abandona o complexo de colônia, e age com independência, o Brasil cresce e melhora.

Lembrar o suicídio de Vargas é lembrar, também, que a UDN sobrevive. Com outros nomes. Mas, como há 55 anos, a UDN sonha com o golpe. Eles vivem de golpes. É preciso enfrentá-los.

Há 55 anos, sem saída, Vargas deu um tiro no peito.

Hoje, simbolicamente, o tiro tem que ser na direção do inimigo. Na direção daqueles que - como há meio século - querem retomar o Estado para vender o Brasil.


A carta escrita por Getúlio Vargas antes de cometer suicídio

Mais uma vez as forças e os interesses contra o povo coordenaram-se e novamente se desencadeiam sobre mim. Não me acusam, insultam; não me combatem, caluniam, e não me dão o direito de defesa.

Precisam sufocar a minha voz e impedir a minha ação, para que eu não continue a defender, como sempre defendi, o povo e principalmente os humildes.

Sigo o destino que me é imposto. Depois de decênios de domínio e espoliação dos grupos econômicos e financeiros internacionais, fiz-me chefe de uma revolução e venci. Iniciei o trabalho de libertação e instaurei o regime de liberdade social. Tive de renunciar. Voltei ao governo nos braços do povo. A campanha subterrânea dos grupos internacionais aliou-se à dos grupos nacionais revoltados contra o regime de garantia do trabalho. A lei de lucros extraordinários foi detida no Congresso. Contra a justiça da revisão do salário mínimo se desencadearam os ódios. Quis criar liberdade nacional na potencialização das nossas riquezas através da Petrobrás e, mal começa esta a funcionar, a onda de agitação se avoluma. A Eletrobrás foi obstaculada até o desespero. Não querem que o trabalhador seja livre.

Não querem que o povo seja independente. Assumi o Governo dentro da espiral inflacionária que destruía os valores do trabalho. Os lucros das empresas estrangeiras alcançavam até 500% ao ano. Nas declarações de valores do que importávamos existiam fraudes constatadas de mais de 100 milhões de dólares por ano. Veio a crise do café, valorizou-se o nosso principal produto. Tentamos defender seu preço e a resposta foi uma violenta pressão sobre a nossa economia, a ponto de sermos obrigados a ceder.

Tenho lutado mês a mês, dia a dia, hora a hora, resistindo a uma pressão constante, incessante, tudo suportando em silêncio, tudo esquecendo, renunciando a mim mesmo, para defender o povo, que agora se queda desamparado. Nada mais vos posso dar, a não ser meu sangue. Se as aves de rapina querem o sangue de alguém, querem continuar sugando o povo brasileiro, eu ofereço em holocausto a minha vida.

Escolho este meio de estar sempre convosco. Quando vos humilharem, sentireis minha alma sofrendo ao vosso lado. Quando a fome bater à vossa porta, sentireis em vosso peito a energia para a luta por vós e vossos filhos. Quando vos vilipendiarem, sentireis no pensamento a força para a reação. Meu sacrifício vos manterá unidos e meu nome será a vossa bandeira de luta. Cada gota de meu sangue será uma chama imortal na vossa consciência e manterá a vibração sagrada para a resistência. Ao ódio respondo com o perdão.

E aos que pensam que me derrotaram respondo com a minha vitória. Era escravo do povo e hoje me liberto para a vida eterna. Mas esse povo de quem fui escravo não mais será escravo de ninguém. Meu sacrifício ficará para sempre em sua alma e meu sangue será o preço do seu resgate. Lutei contra a espoliação do Brasil. Lutei contra a espoliação do povo. Tenho lutado de peito aberto. O ódio, as infâmias, a calúnia não abateram meu ânimo. Eu vos dei a minha vida. Agora vos ofereço a minha morte.

Nada receio. Serenamente dou o primeiro passo no caminho da eternidade e saio da vida para entrar na História.

Rio de Janeiro, 23/08/54 – Getúlio Vargas

domingo, 23 de agosto de 2009

Aprenda a ler jornais e não seja enganado/a!

Estudem os golpes midiáticos. Eles virão em 2010?

23 de agosto de 2009 às 15:18

por Luiz Carlos Azenha

De original o Brasil só inventou a jabuticaba. O resto quase tudo vem de fora. Especialmente as grandes idéias dos marqueteiros políticos. A inspiração deles tem origem clara: os Estados Unidos.

Em quarenta anos de profissão, nunca vi a mídia tão partidarizada. Jamais. Jamais testemunhei um fenômeno como o de Lina Vieira: a mídia martela uma tese e simplesmente descarta todas as outras que possam contradizer aquela tese. Uma tese bancada por Agripino Maia. Uma tese que tem o objetivo de carimbar Dilma Rousseff como "mentirosa". Que faz parte da campanha para demonizar a candidata do governo. Que, em minha opinião, obedece a uma campanha milimetricamente traçada por marqueteiros de José Serra e executada por prespostos dos Civita, Marinho, Frias e Mesquita.

Onde estava Lina Vieira na tarde do dia 19 de dezembro? Dentro de um avião, voando para Natal. E Dilma? Depois de reuniões em Brasília, também viajou. Se não foi naquele dia o suposto encontro entre a ex-secretária da Receita Federal e a ministra, quando foi? Baixou um silencio espetacular nos jornais, nas rádios e nas telas da TV. Um silencio ensurdecedor.

[Para quem estava em outro planeta, no encontro a ex-secretária disse que Dilma Rousseff pediu a ela que interferisse indevidamente em uma ação da Receita Federal contra o filho do presidente do Senado, José Sarney. A ministra nega o encontro.]

Depois de oito anos distante do poder federal, a UDN vai usar todas as ferramentas a seu dispor para reconquistar o Planalto em 2010. É o pré-sal, estúpido! São bilhões e bilhões de dólares que permitirão a quem estiver no poder investimentos como há muito tempo não vemos no Brasil. E há gigantescos interesses externos já expressos, ainda que delicadamente, no debate sobre a exploração do pré-sal.

O consórcio DEM-PSDB vai tentar barrar as tentativas do governo Lula de aumentar a participação da União na exploração do petróleo. Vai fazer isso, sem assumir, em defesa dos interesses das grandes petroleiras internacionais, que correm desesperadamente em busca de reservas exploráveis.

Aqui você pode ler, em inglês, um artigo sobre a crescente disputa entre estados e petrolíferas pelo controle dos lucros da exploração, que se aguçou depois que a produção mundial de petróleo atingiu o pico.

Não é por outro motivo que, através da mídia, esses interesses tentam enfraquecer a Petrobras. Tentam dizer que a Petrobras é incapaz de tocar o projeto. Tentam dizer que a Petrobras ou o Brasil não tem dinheiro para fazer os investimentos necessários. Não é por acaso que a TV Globo assumiu a proposta do governo americano de uma "parceria": eles nos ajudam a explorar o pré-sal E nos vendem armas. É como aquela famosa piada da troca de casais. Nós entramos duas vezes como "doadores". Doamos o petróleo E pagamos pelas armas.

Não é por acaso que, em duas reportagens recentes, tanto o jornal New York Times quanto a revista britânica The Economist lançaram dúvidas sobre o futuro da exploração do pré-sal. O repórter Alex Barrionuevo, do Times, usou em seu texto palavras que acionam o botão de ojeriza do típico leitor americano: falou em "nacionalismo" e disse que uma suposta onda de "nacionalismo" no Brasil, agora, é comparável à dos tempos da ditadura militar.

Mas ele, por ignorância ou má fé, se esqueceu de dizer que a decisão correta de investir na exploração de petróleo em águas profundas, tomada durante o regime militar, é que permitiu à Petrobras o sucesso de agora. Ou seja, um exemplo de uma decisão "nacionalista" que deu resultado. Barrionuevo deu conotação negativa a "nacionalismo". Pelo simples fato de que "nacionalismo" só interessa aos americanos quando representa a defesa dos interesses dos Estados Unidos.

Leia aqui a tradução da reportagem do New York Times

Leia aqui, em inglês, a reportagem do Economist

Dito isso, é bom se precaver. Como?

Estudando o uso de pesquisas que foi feito durante várias campanhas políticas recentes. O episódio mais descarado aconteceu na Venezuela e está contado aqui.

Estudando os golpes eleitorais que permitiram a George W. Bush se eleger em 2000 depois de uma forcinha da Suprema Corte. Estudando os sofisticados golpes eleitorais aplicados pelos republicanos em 2000, na Flórida, e em 2004, em Ohio.

O melhor investigador do que se passou na Flórida é o repórter Greg Palast, que tem este site.

O melhor investigador do que se passou em Ohio é o deputado John Conyers Jr., que fica aqui.

Eu tenho todos os livros a respeito, mas não vou emprestar. Ninguem devolve livro no Brasil.

Mas você pode comprar vários deles na Amazon, a começar do relatório oficial da comissão encabeçada pelo deputado Conyers, aqui.

Sugiro que assistam ao documentário Free For All, que resume as duas fraudes nos Estados Unidos e pode ser visto aqui.

Essas fraudes foram baseadas em truques sofisticados, como a supressão de blocos de eleitores. Por exemplo, com a colocação de um número menor de máquinas de votação em seções eleitorais onde se sabia que a maioria era de eleitores democratas -- bairros de maioria negra, por exemplo.

Há suspeitas de fraude eletrônica. E de que os republicanos tenham aplicado um arsenal de medidas administrativas e jurídicas com o objetivo de desestimular ou simplesmente bloquear o voto de grupos majoritariamente democratas.

É importante ver o documentário A revolução não será televisionada, sobre o golpe midiático contra Hugo Chávez na Venezuela. Está aqui.

É importante ver o documentário Los Duenos de la Democracia, sobre a fraude eleitoral no México. Está aqui.

É importante ver o documentário Our brand is crisis, que fala sobre as táticas eleitorais empregadas por marqueteiros americanos para eleger Gonzalo Sanchez de Lozada presidente da Bolívia (ascendeu ao poder com apoio americano e pretendia implantar um projeto pelo qual o gás boliviano seria exportado por navios para os Estados Unidos, a partir de um terminal no Chile).

Finalmente, é preciso estudar todas as ações do National Endownment for Democracy, o NED, uma instituição bipartidária dos Estados Unidos, bancada com dinheiro público, que "promove a democracia" no mundo através de ações de engajamento da sociedade civil. O NED foi criado no governo de Ronald Reagan, em 1983, para fazer, abertamente, o que a CIA fazia antes na clandestinidade.

O NED estimula o uso de todas as ferramentas eletrônicas modernas -- SMS, internet, twitter -- para a mobilização popular, especialmente de jovens, considerando que os jovens têm menor conhecimento histórico, são mais voláteis e são mais suscetíveis à influência da cultura americana.

O NED teve um papel importante em algumas "revoluções" no Leste europeu, notadamente na derrubada de Slobodan Milosevic na extinta Iugoslávia, em 2000; na Revolução das Rosas, na Geórgia, em 2003; na Revolução Laranja, na Ucrânia, em 2005, e na Revolução das Tulipas, no Quirguistão, em 2005.

Nesses e em outros casos jovens ativistas estudantis foram mobilizados com slogans e símbolos simples e diretos (Resistência! na extinta Iugoslávia, É Hora na Ucrânia), atuando especialmente antes ou depois de eleições, em manifestações de rua durante crises eleitorais.

A lista de grupos e movimentos, que receberam financiamento do NED ou de outras instituições dos Estados Unidos inclui:

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Otpor! na extinta Iugoslávia.

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Kmara na Geórgia

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Pora na Ucrânia

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Flash mob convocada pelo Zubr, em Minsk, em 16.04.2006

Zubr na Bielorrússia

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Mjaft! na Albania

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Oborona na Rússia

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Kelkel no Quirguistão

Nabad al-Horriye no Líbano

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Maria Corina Machado, do grupo Súmate, é recebida por George W. Bush na Casa Branca, em 2002

Súmate (e outros) na Venezuela

O Instituto Nacional Republicano (IRI) e o National Democratic Institute (NDI) são os braços dos dois principais partidos americanos encarregados de "promover a democracia" no mundo, ou seja, de treinar e promover jovens líderes partidários que sejam "amigáveis" aos interesses de Washington. Tanto o IRI como o NDI integram o NED. Foi uma forma de garantir no Congresso americano a aprovação de todas as verbas que o NED achar necessárias para "promover a democracia" no mundo, sempre em parceria com entidades locais da sociedade civil. Também fazem parte do NED uma entidade de empresários, o Center for International Private Enterprise, e outra ligada a sindicatos, o Solidarity Center.

O Brasil tem uma sociedade civil suficientemente informada para não cair em contos do vigário. Mas nunca é demais ficar alerta. Afinal, suspeitas do passado se confirmaram: havia ouro de Moscou; houve ajuda política e militar dos Estados Unidos ao golpe de 1964; houve estímulo dos Estados Unidos ao golpe que derrubou Hugo Chávez na Venezuela, para lembrar apenas de casos marcantes.

O caso clássico, na Venezuela, no referendo de 2004, funcionou assim: pesquisa de boca-de-urna, divulgada antes do início das apurações, dava como certa a derrota de Hugo Chávez, por ampla margem (59% contra Chávez, 41% pela permanência dele no poder). O que abria caminho para dois movimentos: fraude na apuração ou, em caso de vitória de Chávez, a denúncia de que ele teria fraudado o resultado. E manifestações de rua. E protestos internacionais.

Qual foi o resultado da contagem de votos? Chávez teve 59% contra 41%! A oposição, obviamente, gritou fraude. E tentou organizar protestos de rua. Mas os observadores internacionais atestaram a lisura do referendo. E Chávez sobreviveu.

Como costuma dizer a Conceição Lemes, a melhor vacina contra a desinformação é a informação. Vacine-se!

sábado, 22 de agosto de 2009

Infra-estrutura e logística de transportes e estrangulamento da economia

Vantagem do atraso


Sucessivos governos dizem que não têm 2% do PIB para investir em transportes, mas pagam 8% do PIB em juros

Por: CESAR BENJAMIN

O SISTEMA produtivo dos países ricos ocupa a ponta tecnológica e é relativamente homogêneo. Neles, o aumento da produtividade depende, principalmente, da invenção de técnicas novas, um processo caro, lento e difícil. Nos grandes países intermediários, porém, como a China e o Brasil, convivem setores que apresentam níveis de produtividade muito desiguais. Essa desvantagem nos confere uma vantagem dinâmica: deslocando trabalhadores dos setores mais atrasados para os mais modernos ou modernizando setores atrasados, eleva-se a produtividade média da economia pela simples difusão de técnicas já conhecidas, um processo, em geral, muito mais fácil.
Um dos segredos do crescimento chinês é, justamente, a capacidade de usar essa vantagem do atraso. São imensos os ganhos de eficiência que nossa economia pode ter dessa maneira. Um exemplo extremo é o da matriz de transportes. No Brasil, a modalidade rodoviária -a mais cara- realiza a quase totalidade dos transportes de passageiros e a grande maioria dos de carga, com cerca de 40 mil empresas e mais de 300 mil transportadores autônomos. Os custos de operação dessa rede se aproximam de 20% do PIB, mais do dobro do percentual que se verifica nos Estados Unidos.

Um estudo da CNT e da Coppe (UFRJ), realizado em 2002, estimou que as empresas brasileiras mantinham US$ 118 bilhões parados, em excesso de estoque, por causa da inconfiabilidade do sistema de transportes. Não podiam operar "just in time". Isso mostra a importância da infraestrutura: ela transmite eficiência (ou ineficiência) ao conjunto da economia.
O Brasil deveria aproximar a sua matriz de transportes daquela que prevalece nos EUA: 20% em rodovias, 40% em ferrovias, 40% em hidrovias e cabotagem. Não só estamos muito longe disso (a cabotagem, por exemplo, tornou-se residual, apesar de termos sete regiões metropolitanas no litoral) como tendemos a nos distanciar desse objetivo: os investimentos em transportes, além de insignificantes (em média, 0,2% do PIB na última década), concentram-se justamente em rodovias.

Estamos em um círculo vicioso: o transporte rodoviário apresenta baixas barreiras à entrada (basicamente, a habilitação e o caminhão), o que gera um permanente aumento da oferta, que tende a reduzir o preço dos fretes. Resulta daí uma elevada barreira à saída, pois as dívidas dos caminhoneiros se estendem no tempo. As barreiras à entrada em ferrovias e hidrovias, ao contrário, são muito elevadas.

Deixando o setor entregue a decisões atomizadas, o modo rodoviário tende a se expandir. A soma de comportamentos racionais em termos microeconômicos aprofunda a irracionalidade macroeconômica. Para sair dessa armadilha, é preciso planejar, uma função típica de Estado, demonizada aqui há mais de 20 anos. O último Plano Viário Nacional foi elaborado ainda durante o regime militar.


Sucessivos governos dizem que não têm 2% do PIB para investir em transportes, quantia mínima necessária durante, ao menos, dez anos. São os mesmos governos que pagam mais de 8% do PIB em juros, desnecessariamente, há muito mais tempo. A alteração da matriz de transportes não exige que inventemos nada.
Mas, se realizada, teria em nossa economia o mesmo efeito de uma revolução tecnológica. Estaríamos aproveitando uma vantagem do atraso. Para isso, porém, o nosso sistema político deveria ser capaz de identificar grandes objetivos nacionais e sustentar decisões de longa maturação. Nunca estivemos tão distanciados disso. Em anos eleitorais, faremos novas operações tapa-buracos.

CESAR BENJAMIN, 53, editor da Editora Contraponto e doutor honoris causa da Universidade Bicentenária de Aragua (Venezuela), é autor de "Bom Combate" (Contraponto, 2006). Escreve aos sábados, a cada 15 dias, nesta coluna.

cesarben@uol.com.br

sexta-feira, 21 de agosto de 2009

Documentário sobre Mário Juruna na TV Brasil- Imperdível

Assisti e recomendo, um verdadeiro mergulho na biografia do primeiro e único indígena do Brasil a ocupar uma cadeira na Câmara Federal, o Xavante, Mário Juruna.

Pela primeira vez na TV, o filme “Juruna, O Espírito da Floresta”

Publicado em 10 de agosto de 2009

Ex-Deputado Mário Juruna


A TV Brasil exibe, em primeira mão, no próximo dia 21, sexta-feira, o documentário de longa metragem Juruna, o espírito da Floresta, do cineasta Armando Lacerda. Segundo o diretor e produtor, o filme pretende mostrar as diferenças que separam e estigmatizam os povos indígenas e resgatar a história do cacique Xavante, ex-deputado Mário Juruna, personagem excepcional na história política do Brasil.









Único indígena a ocupar cadeira no Parlamento do Brasil, Mário Juruna é apresentado no filme pelo filho primogênito – Diogo Amhó – que através de seus parentes resgata a memória do pai e a trama de sua história no complexo mundo dos povos indígenas. O enredo do filme mostra a resistência e a sobrevivência das comunidades indígenas diante do avanço da “civilização” e propicia uma reflexão sobre a conjuntura político-social brasileira, da metade do século 20 até o presente momento.

Para ilustrar com riqueza de detalhes a biografia de Mário Juruna, o diretor Armando Lacerda usa passagens inéditas da trajetória do líder Xavante até seu ingresso na vida pública.

Mário Juruna foi a voz dos povos indígenas ao denunciar o genocídio e o descaso das autoridades com a sua cultura. Para o povo Xavante, resgatar a imagem da sua mais expressiva liderança no meio da cidadania branca é contribuir para o preenchimento de uma lacuna na história política do Brasil.

Juruna, o Espírito das Florestas vai ao ar no dia 21, sexta-feira, às 22 horas, no Programa de Cinema da TV Brasil.








MÁRIO JURUNA nasceu em 1943, época em que os índios do Brasil Central eram atacados por jagunços armados e expulsos de suas terras. Destacou-se na afirmação dos direitos dos povos indígenas, e também na luta em prol da abertura política do Brasil. Sua história é densa e inspiradora. Morreu decorrente de problemas com sua saúde aos 59 anos.

ARMANDO LACERDA jornalista e cineasta pela Universidade de Brasília, dirigiu mais de uma quinzena de documentários, vários premiados. Atuante no meio profissional desde 1973, Lacerda optou pela linha política das causas sociais. Ele foi criado durante os primeiros 20 anos no ambiente colonial de Ouro Preto, Minas Gerais, sendo o restante vivido em meio a arquitetura modernista de Brasília. Armando Lacerda carrega na bagagem essas duas vertentes distribuídas nos seus demais trabalhos documentários, realizados em curta, média e longa metragens.

quarta-feira, 19 de agosto de 2009

A escola também é homofóbica

Excelente reportagem publicada na Agência Brasil, um verdadeiro dossiê sobre a Homofobia na escola, não deixem de ler. Para ir direto à matéria clique no link acima ou na chamada abaixo.







Semanas atrás em meio a campanha para a criminalização da homofobia escrevi este post no blog maria_fro. Creio que também vale leitura para todos os educadores preocupados com a educação para o respeito às diferenças.

terça-feira, 18 de agosto de 2009

Latuff sobre a disputa Globo versus Record: ambos impérios tê razão

Clique na imagem para ampliá-la.


Latuff sobre a disputa entre as tvs. Charge ser publicada no boletim da Associação dos Servidores do PRODERJ.

segunda-feira, 17 de agosto de 2009

De uma vez por toda África é um continente!

Meu amigo caboverdiano, Angelo Barbosa, envia-me esta pérola logo pela manhã e aí tem gente que ainda questiona a lei 10639/03. Se ela fosse efetivamente aplicada, vexames como o descrito abaixo poderiam ser evitados.

A África é um continente com 53 países, mais de 800 milhões de pessoas, 2 mil línguas faladas, com diversidades físicas e cultural imensas!

Integrantes do 'Só pra contrariar', aquele grupo que o Alexandre Pires fazia parte, que por sua vez se emocionou em cantar para o Bush, em show recente em Cabo-Verde soltaram a seguinte pérola sete vezes: "Que bom estar aqui com o povo da África do Sul":

Ao que parece um dos vocalistas do grupo brasileiro Só Para Contrariar, que só para contrariar não entusiasmou por aí além quem esteve no local ou quem assistiu pela televisão, gritou não, uma, nem duas, nem três, mas sim sete vezes, algo parecido com isto: "que bom que é estar aqui com o povo da África do Sul!" Bem que a multidão lá tentava dizer, assobiando e gritando, que isto podia ser África, mas do Sul tinha pouco e de África do Sul não tinha mesmo nada, que passado pouco tempo lá vinha o homem, todo entusiasmado, gritando outra vez "que bom que é estar aqui com o povo da África do Sul!"

O episódio não me provocou qualquer espanto. Outro exemplo aconteceu com um taxista carioca que nos levou do hotel para o aeroporto, no Rio de Janeiro, e que, conversa vai conversa vem, quando soube que éramos cabo-verdianos, lá anunciou, todo entusiasmado: "eu tenho uma cunhada, que é cabo-verdiana. Vive lá, no vosso país, no Funchal." Lá tivemos que explicar ao senhor que o Funchal ficava na ilha da Madeira e que esta era um território português, ao contrário de Cabo Verde, país livre e independente desde 1975. Bem, pelo menos este acertou na zona. Madeira e Cabo Verde, fazem ambos parte da chamada Macaronésia.

Digo isto esperando não ofender ninguém, mas apenas como resultado da minha experiência pessoal: a ideia que os brasileiros tem de África, em geral, e de Cabo Verde, em particular, é em 99% dos casos (estimativa minha) completamente desfasada da realidade. A forma como se organizam fóruns e mesas redondas intitulados "Portugal - Brasil - África", por exemplo (já participei em vários), como se a África fosse uma entidade estatal, social, cultural, económica e histórica única, mostra como, mesmo nos meios mais informados como os académicos, ainda há muito por fazer para mostrar que não há uma África, mas sim muitas Áfricas (entre as quais, Cabo Verde), e que nem todas são dominadas por leões, cubatas e tambores tocando freneticamente em cerimónias canibais.
(João Branco in Declaração Cafeana, 11/08/2009)

domingo, 16 de agosto de 2009

Sakamoto: Eles cantam Chico mas não entendem o que Chico quer dizer

15/08/2009 - 19:09

Morreu na contramão atrapalhando o tráfego

Por Leonardo Sakamoto

Com as refilmagens de “O Poderoso Chefão” no Senado, muitas pessoas, indignadas com a política, têm feito seus protestos. Acham que aquilo é o máximo da participação cidadã e que terá um efeito avassalador nos salões do Congresso Nacional. Na minha avaliação, isso é de uma inutilidade atroz, só comparável à compra de indulgências durante a Idade Média.

Começam pelas correntes na internet - não peguei até agora uma que trouxesse alguma possibilidade de causar alterações reais. Mas o pessoal acha que está mudando o mundo através do spam. Triste.

Isso passa pelos “flash mobs”, aquelas manifestações relâmpago organizadas pela internet. Eu estava na avenida Paulista, dia desses, quando um grupo de umas 80 pessoas se reuniu no vão do Masp e começaram a protestar. Cruzavam a faixa de pedestres quando o semáforo fechava e retornavam à calçada quando abria. Gritavam “Fora Sarney!” Uma senhora, já avançada em anos e sabedoria, parou, olhou, refletiu e me perguntou: “é alguma festa?” Respondi que, de certa forma, sim. Um ato mais para expiação da culpa individual do que algo realmente construtivo. Depois o povo deve ter ido tomar um refri na rede de fast food mais perto.

Também atinge as reclamações e ações virtuais em blogs e twitters. Já postei muita coisa sobre a atual crise neste blog, sei que o acesso à informação contribui para a conscientização do problema real e não apenas de sua superficialidade aparente, mas não tenho a mínima pretensão de achar – como alguns – de que o mundo virtual sozinho pode ser a ponte para a derrubada de fulano ou ciclano do poder.

Muita gente se esconde atrás da tela de um computador, mas não tem coragem de usar as armas da democracia para tirar aquele povo de lá. A indignação vai durar enquanto o tema estiver no topo dos mais comentados, vai seguir a pauta política da situação e da oposição e não a da sociedade. Não chegará às próximas eleições. Depois, a indignação dará lugar à outro sentimento exatamente porque ela não é real, não veio de dentro para fora e sim de fora para dentro. Para alguns, foi embutida ali, como uma moda. A moda hoje é estar indignado. Amanhã é usar azul celeste.

E falando em cores, um outro protesto foi inacreditável. Recebi um torpedo ordenando que, no dia seguinte, todos vestissem preto para derrubar o Sarney. Mas não vi alteração significativa nas ruas. Certamente quem mandou o SMS deve ter achado que quem usava o pretinho básico protestava ferozmente.

Por fim, os protestos da turma do antigo “Cansei!” Dia desses, zapeando canais, parei em um daqueles programas bregas de fofocas da alta classe. Ícones do “Cansei!” reclamavam, enojados com tudo e com Brasília. Depois, apareciam, na mesma festa, abraçados com políticos que não têm currículo e sim capivara, ficha corrida. Eles cansaram, mas foi só de brincadeira. Até porque o caviar tem que sair de algum lugar, não?

Enquanto isso, quem protesta de verdade, tentando mudar as coisas, é taxado de vagabundo, louco, imbecil, retrógrado, egoísta. Por que? Porque eles não protestam como eles, seres civilizados, que nunca parariam o trânsito. Para estes manifestantes de butique, o protesto tem limites. A partir daí, vira arruaça.

Estava voltando de Brasília e não conseguiu deixar de ouvir uma conversa de duas mulheres sentadas atrás de mim no avião. Aliás, a aeronave inteira ouviu, porque elas falavam muito alto:

- Você viu que morreu uma daquelas sem-terra na rodovia dia desses. Atropelada.
- Também, estava andando no meio da estrada, fazendo protesto. Atrapalhando o trânsito.
- Não gosto daquela gente, sabia? São um bando de arruaceiros. Por que não vão arrumar um emprego ao invés de ficar protestando por aí?
- Tem gente que não sabe se encaixar.

“Encaixar”! Nossa elite é o máximo, de uma sinceridade aviltantemente bonita! É o velho: ponha-se no seu lugar! Eles cantam Chico Buarque, mas não entendem o que ele diz – talvez se soubessem, parassem de cantar. Pois foi uma trabalhadora rural do MST pedindo reforma agrária, mas poderia ter sido um pedreiro caindo de um andaime, sonhando com uma vida melhor: “Morreu na contramão atrapalhando o tráfego”.

Ontem, também na avenida Paulista, foi realizado um protesto de verdade contra a crise no Senado, que juntou sindicatos, movimentos populares e estudantis, organizações da sociedade civil. Mais de quatro mil pessoas, de acordo com a polícia.

Um taxista, ao ver o trânsito causado pela manifestação, começou a gritar: “Cambada de vagabundos! Vagabundos!” (como o prefeito Kassab naquele ataque de histeria anos atrás…) Perguntei o motivo. “Porque eles estão atrapalhando o tráfego. Por que não vão arranjar um emprego!”

Exercer sua cidadania e colocar a democracia em prática em um país como o Brasil é perigoso. Além de poder morrer atropelado, ser xingado e considerado um inútil, você ainda pode ser desalojado e tratado como um marginal.

Tempos atrás, moradores de uma favela próxima ao Real Parque, zona Sul de São Paulo, fecharam as pistas da Marginal Pinheiros para protestar contra a derrubada de suas casas. Seus barracos estavam em um terreno público e a prefeitura resolveu removê-los antes de finalizar negociações. Afinal de contas, a gente bonita que passa por aquele bairro rico não é obrigado a ver aquelas casinhas de madeira feias. Houve bombas de gás, surras de cacetetes, enfim, aquela corja tinha que acabar com aquilo. Na mídia, a ênfase estava nos relatos sobre o congestionamento causado, o ato era apenas um detalhe.

O tráfego, sempre ele, que reina soberano em uma cidade que quer funcionar como um relógio suíço, sem se atrasar. Protestos agendados, marcados, pequenos, ordenados com começo, meio e fim, protestos que não mudam nada só expiam culpa, são o desejo de muitos paulistanos, cada vez mais embutidos no sistema. Não conseguem perceber que manifestações que fogem disso, que rompem a lógica, é que são reais e têm poder de mudança.

No fundo e por trás de tudo isso, uma pergunta ecoa no peito de muita gente das classes média e alta desse país quando defrontada com tudo isso: Mudar para quê? Time que está ganhando, não se mexe.

Geopolítica na América Latina: Bid, infra-estrutura e mercado globalizado

Antes da leitura do texto de Igor Fuser, especialista em relações internacionais, não deixe de ler do mesmo autor A reativação da Quarta Frota no atual contexto da América Latina.

É importante também ler o artigo do jornalista Jakobskind sobre a instalação de bases militares estadunidenses na Colômbia, o pré-sal e uma abordagem acrítica da imprensa corporativa sobre questões de segurança nacional: Jakobskind: Qual a relação entre Globo, bases estadunidenses na Colômbia, o pré-sal e a tv Brasil?

Refletir também sobre as disputas comezinhas de poder no Senado e Congresso, enquanto o que de fato são questões de interesse nacional, como: as riquezas do pré-sal e a política de segurança nacional para salvaguardar nossas riquezas, não são discutidas com seriedade, muito pelo contrário são usadas como moeda política pela oposição como o caso da instalação da CPI da Petrobras. A esse respeito faça uma consulta ao blog da Petrobras e conheça as respostas da empresa a cada acusação que sofre na imprensa.

O governo brasileiro acaba de comprar dois submarinos para nossas Forças Armadas e vemos a imprensa corporativa comparar os gastos com bolsas família.

A posição da Marina brasileira que é muito diferente da versão veiculada pela imprensa corporativa, pode ser conhecida aqui, aqui, aqui e aqui, aqui.

Enfim, há interesses maiores neste jogo político e os especialistas em relações internacionais já apontam a necessidade de Senado e Congresso fazerem o que não fazem, como esclarece o professor de relações internacionais da UNB, José Flávio Sombra Saraiva : O lugar do Brasil no mundo e o silêncio do Parlamento.
Boas leituras.

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Infra-estrutura a serviço do grande capital
Por Igor Fuser
Fonte Le Monde Diplomatique

Com as bênçãos de Washington e o apoio financeiro do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), dez países sul-americanos vêm levando adiante a um conjunto de obras gigantescas, voltadas para ajustar as economias da região aos interesses do mercado globalizado e das empresas transnacionais


Quem reduz o cenário político da América do Sul ao contraste entre um pólo esquerdista (Venezuela, Bolívia e Equador) e um conservador (Colômbia, Peru, Paraguai), separados por uma zona cinzenta de posições intermediárias (Brasil, Argentina, Chile, Uruguai), deveria rever esse mapa ideológico simplista, comum à maioria das análises, a partir do avanço silencioso de uma iniciativa que transcende as clivagens entre os governos. Com as bênçãos de Washington e apoio financeiro do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), os dez países sul-americanos citados [1] vêm levando adiante a implementação de um conjunto de obras gigantescas, voltadas para ajustar as economias da região aos interesses do mercado globalizado e das grandes empresas – locais ou multinacionais. Desde de 2000, quando foi criada, a Iniciativa de Integração da Infra-Estrutura Regional Sul-Americana (IIRSA), um megaprojeto que engloba transportes, energia e comunicações, tem implementado uma estratégia que viabiliza a inserção da América do Sul na economia globalizada de modo absolutamente coerente com a lógica neoliberal. A região é encarada como fornecedora de produtos agrícolas, matérias-primas e recursos energéticos para os centros dinâmicos do capitalismo.

De acordo com a página da IIRSA na internet, seu objetivo é “promover o desenvolvimento da infra-estrutura com base em uma visão regional, procurando a integração física dos países da América do Sul e a conquista de um padrão de desenvolvimento territorial eqüitativo e sustentável”. A iniciativa prevê a execução de 348 obras em vinte anos, num investimento de aproximadamente 38 bilhões de dólares. Esses projetos, dos quais 31 são considerados de curto prazo, se articulam ao redor de 12 “eixos de integração” que abarcam todo o território sul-americano e, em vários casos, apresentam superposições e interconexões.

Os “eixos” são, na essência, corredores destinados a facilitar a exportação de bens primários para os mercados dos países desenvolvidos. O Eixo Amazônico, um dos mais importantes, se destina a ligar portos no Pacífico – Paita, no Peru; Esmeraldas, no Equador; e Tumaco, na Colômbia – com o Atlântico, na foz do Rio Amazonas, em Belém. Por esse corredor passariam produtos andinos (principalmente, minérios) rumo à Europa, e, no sentido oposto, produtos amazônicos, como carne e madeira, em direção ao mercados da Ásia e da América do Norte.

O Eixo Interoceânico Central, que envolve territórios do Brasil, Bolívia e Peru, deverá reduzir enormemente os custos de transporte do agronegócio brasileiro em suas exportações pelo Pacífico. Este é um objetivo central de duas das mais polêmicas entre as obras previstas: o Complexo Hidrelétrico do Rio Madeira, (que inclui, além de três represas, uma hidrovia) e a Rodovia Interoceânica, de 2.586 quilômetros em território peruano, atravessando os Andes. O pacote da IIRSA também inclui, em outros de seus “eixos”, uma rede de gasodutos destinada a integrar as reservas de gás da Bolívia e do Peru ao mercado internacional e a Hidrovia Paraná-Paraguai, que pretende ligar, através de 3.442 km de rios navegáveis, o porto fluvial de Cáceres, no Mato Grosso, com Buenos Aires, no Atlântico, oferecendo mais uma saída para a soja e demais commodities da região.

O IIRSA surgiu como uma iniciativa do BID, em agosto de 2000, em parceria com a Corporação Andina de Fomento (CAF) e o Fundo para o Desenvolvimento da Bacia do Prata (Fonplata). O então presidente brasileiro Fernando Henrique Cardoso foi o anfitrião do encontro fundador, em Brasília, que contou com a adesão de todos os países sul-americanos, exceto a Guiana Francesa. Desde então, muita coisa mudou no cenário político regional, mas a iniciativa segue adiante, com o apoio de todos os governos participantes – e, o que é muito significativo, sem sofrer questionamentos sérios dos presidentes identificados com plataformas de esquerda. Quem tem criticado esse ambicioso esquema de integração física são os movimentos sociais, cientistas e entidades não-governamentais ligados à defesa do meio ambiente. As críticas se referem tanto ao impacto social, econômico e ambiental dos projetos, traçados sem levar em conta as necessidades das populações afetada pelas obras, quanto à própria estratégia que permeia toda a iniciativa.

Na visão dos opositores da IIRSA, o empreendimento se insere na mesma lógica neoliberal que se expressou nas privatizações e na abertura comercial das duas últimas décadas. Eles acreditam que essas obras aumentarão a dependência da América do Sul em relação às nações ricas, agravarão os desequilíbrios entre os países da região e no interior de cada um deles e, nesse processo, acelerarão o esgotamento de recursos naturais valiosos, em prejuízo das gerações futuras. Há também descontentamento com a hegemonia de grupos empresariais brasileiros, em especial o agronegócio e as grandes construtoras, os setores que mais têm a ganhar com o empreendimento.

Os críticos chamam a atenção, logo de saída, para o flagrante descaso com relação aos efeitos nefastos sobre as comunidades ribeirinhas, os indígenas e os camponeses das regiões onde se situam as obras. “Os modelos de integração até agora propostos desconsideram as identidades das populações locais, suas culturas e seus territórios”, assinala Magnólia Said, presidente do Centro de Pesquisa e Assessoria (Esplar), de Fortaleza. Em vez de serem consultados, prossegue ela, os moradores são compelidos a “integrar-se a uma ordem de desenvolvimento na qual os únicos interesses que irão continuar valendo são os interesses do mercado”.

A maior parte dos projetos da IIRSA se situa em regiões de rica biodiversidade, ecossistemas frágeis e populações altamente vulneráveis a alterações ambientais. Por mais que as obras se anunciem como “sustentáveis”, o impacto ambiental é inegável e, em alguns casos, devastador. As hidrovias e as represas alteram o regime de águas dos rios, afetando a pesca e ameaçando de extinção um grande número de espécies aquáticas. As estradas provocam, inevitavelmente, o desmatamento de áreas que vão muito além de suas margens, sem falar em efeitos colaterais como a imigração descontrolada e a poluição ambiental. É sintomático, nesse quadro, que a Rodovia Interoceânica tenha sido aprovada, financiada e esteja sendo construída, desde 2006, sem a realização de estudo prévio de impacto ambiental. De acordo com uma pesquisa do Grupo de Trabalho da Sociedade Civil Peruana, a região – uma das áreas mais ricas em biodiversidade e, até recentemente, em bom estado de preservação – enfrentará, em 10 anos, todas as mazelas que quase sempre acompanham a instalação de rodovias [2]. Com um agravante: a estrada atravessará uma área onde vivem diversos grupos indígenas em situação de isolamento voluntário, que serão especialmente afetados pela degradação do entorno.

Na linguagem tecnocrática dos planejadores envolvidos na IIRSA, os acidentes geográficos, como a cordilheira dos Andes e a floresta amazônica, são encarados como “barreiras”, empecilhos a serem “superados” em nome do progresso. Os recursos naturais, por sua vez, se transformam em “estoques”, reservatórios de commodities a serem negociadas no mercado de futuros. “Para se viabilizar – afirma Magnólia – esses projetos vão demandar o desaparecimento de tudo o que é considerado obstáculo: árvores seculares, pequenas cidades, reservas indígenas, comunidades quilombolas, práticas agrícolas consorciadas e traços culturais. Ao mesmo tempo, a exclusão social permanece intocada”.

Na Amazônia brasileira, que tem seu território incluído em quatro dos “eixos de integração”, a influência das obras se estenderá por 2,5 milhões de hectares, atingindo 107 terras indígenas, cujos residentes representam 22% da população indígena brasileira. Outras 484 áreas prioritárias para a conservação de biodiversidade também seriam afetadas. O título de um recente estudo da organização não-governamental Conservação Internacional dá idéia do que está em jogo: “Uma tempestade perfeita na selva amazônica: desenvolvimento e conservação no contexto da IIRSA” [3]. Seu autor, o cientista norte-americano Tim Killeen, diretor do Centro Nacional de Pesquisa Atmosférica, avaliou o impacto dos novos projetos de transporte, energia e telecomunicações e conclui que eles poderão destruir grande parte da floresta tropical amazônica nas próximas décadas.

Killeen relaciona as obras previstas na IIRSA ao crescimento das pressões sobre o ecossistema amazônico e suas comunidades tradicionais. Entre essas pressões encontram-se a exploração madeireira e o desflorestamento – problemas associados à expansão descontrolada da agricultura, à criação de gado e à exploração mineral, bem como ao rápido crescimento dos cultivos para biocombustíveis, tais como a cana-de-açúcar. “A falta de percepção do pleno impacto dos investimentos da IIRSA, especialmente no contexto da mudança climática e de mercados globais, poderá produzir uma tempestade perfeita de destruição ambiental”, escreveu Killeen. “A maior área de floresta tropical do planeta e os múltiplos benefícios que ela proporciona estão ameaçados”.

O desafio, segundo o pesquisador, é o de conciliar as expectativas legítimas de desenvolvimento com a necessidade de conservar o ecossistema amazônico. Mas essa preocupação, que deveria estar no centro do processo de decisões da IIRSA, manifesta-se de forma superficial. A sustentabilidade ambiental e social é encarada, no fundo, como uma questão de relações públicas (como “vender” o projeto à opinião pública) e de gestão de conflitos (como contornar as eventuais resistências da sociedade civil). Cifras grandiosas emolduram a retórica desenvolvimentista dos arautos da IIRSA: megawatts de eletricidade, milhares de quilômetros de estradas, juntamente com uma mapa todo recortado por rotas que o discurso oficial alardeia como vetores de progresso. Já o impacto ambiental é encarado sempre de uma forma pontual, no âmbito restrito de cada obra, como aponta a Conservação Internacional. “A estratégia de implementação [da IIRSA] é completamente fragmentada, dificultando a percepção de seus impactos econômicos, sociais, culturais e ambientais”, afirma o estudo da entidade.

Em certos casos, a fragmentação ocorre dentro do próprio projeto, o que dificulta a avaliação do impacto social e ambiental, como ocorreu com os estudos sobre o Complexo Hidrelétrico do Rio Madeira [4]. A hidrovia projetada tornará mais barato o custo de transporte da soja e estimulará um aumento dramático na produção, aumentando a pressão sobre a floresta amazônica, mas isso não é levado em conta nas projeções de impacto ambiental. A Conservação Internacional alerta que a ampliação da infra-estrutura em regiões como a Amazônia, em que a capacidade de atuação do Estado é precária, costuma trazer consigo efeitos incontroláveis como a imigração de populações em situação de miséria, o agravamento das deficiências em educação, saúde, moradia e saneamento, a perda da qualidade da água, o aumento indiscriminado da coleta e da caça para a sobrevivência, a ampliação das áreas desmatadas, a grilagem de terras, as doenças contagiosas, a criminalidade e a prostituição. Nada disso figura nos relatórios oficiais, sempre otimistas, encaminhados às agências de financiamento.

O déficit de democracia na IIRSA é gritante. Regra geral, os projetos já são anunciados como fatos consumados. O debate se restringe, então, às maneiras de se adaptar a algo apresentado como irreversível, movido por forças acima da vontade humana. Em muitos casos, a população nem mesmo é informada sobre as conseqüências das obras que estão sendo planejadas. Um exemplo da falta de transparência é o da usina hidrelétrica do Garabí, na bacia do Rio Uruguai, maior obra da IIRSA em área de Mata Atlântica. O projeto original, que afetará fortemente a biodiversidade em terras situadas no Brasil, Uruguai e Argentina, foi interrompido no início da década de 1990 diante da forte oposição das populações ribeirinhas, de entidades ambientalistas e do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB). Naquela ocasião, a previsão era de um impacto ambiental catastrófico, com a destruição de várias cachoeiras e a inundação uma enorme área nos três países, inclusive no Parque Estadual do Turvo, no Rio Grande do Sul. Em 2005, o projeto foi retomado, mas as discussões têm acontecido a portas fechadas, apenas com representantes dos governos e das empresas construtoras. O presidente Lula, em seu recente encontro com a chefe de Estado argentina Cristina Kirchner, em 22 de fevereiro, anunciou a retomada das obras, e a população local permanece sem saber dos riscos a que será submetida.

No eterno impasse entre crescimento econômico e proteção ambiental, a pergunta que raramente vem à tona se refere aos verdadeiros interesses existentes por trás desses planos faraônicos de infra-estrutura. A quem servirá a energia a ser produzida? Quem vai lucrar com o transporte de mercadorias pelos rios que se tornarão navegáveis? Qual é a estratégia que move esses empreendimentos? Para o sociólogo Luiz Fernando Novoa, da Rede Brasil sobre Instituições Financeiras Multilaterais, a IIRSA se rege pelos interesses das grandes empresas, principalmente norte-americanas e, em segundo lugar, brasileiras, que passarão a controlar os recursos naturais da América do Sul numa escala sem precedentes. “Os projetos são voltados para a competitividade externa da região e não para gerar interdependência entre seus países”, afirma Novoa. “Há uma hierarquia de prioridades que não corresponde aos interesses de nossas populações”.

A lógica da IIRSA, segundo Novoa, é a da criação de verdadeiros “territórios empresariais”, desvinculados das trajetórias, da cultura e da dinâmica interna dos povos. “A governança que os grandes conglomerados empresariais pretendem estabelecer é a que proporciona capacidade de administração meticulosa da expansão das fronteiras dos negócios”, afirma. “O Estado nacional, a população e o meio ambiente ficam à mercê dos investimentos privados, à disposição de seus requerimentos e de suas condicionalidades. E assim nos transformamos em estrangeiros em nossos próprios países.”

O que ocorre no setor de produção de eletricidade é ilustrativo. “A demanda crescente por energia está diretamente relacionada à expansão da produção de bens eletrointensivos, como o alumínio e a celulose”, aponta Elisângela Soldatelli Paim, coordenadora de projetos do Núcleo Amigos da Terra Brasil, de Porto Alegre. A represa de Tucuruí, construída na década de 1970 às custas de uma imensa devastação ambiental e da expulsão de mais de 20 mil pessoas, serve essencialmente a três grandes fábricas de alumínio, ali instaladas devido às reservas de bauxita do Pará. Uma delas é norte-americana e outras duas pertencem à Companhia Vale do Rio Doce, em sociedade com capitais japoneses. A União subsidia a energia que abastece essas três empresas, mas os moradores deslocados, além de não terem recebido indenização, não têm eletricidade nas suas casas. A produção de alumínio é feita de um modo predatório, que conduz à rápida exaustão das reservas minerais, num esquema típico das chamadas “economias de enclave”. A geração de empregos é reduzida. Grande parte do alumínio produzido segue para os Estados Unidos, o Japão e a China, enquanto os danos sócio-ambientais do empreendimento – as “externalidades”, em tecnocratês – são absorvidos localmente.

A IIRSA, com sua ênfase na remoção dos entraves à circulação de mercadorias e à exploração dos recursos naturais, segue uma estratégia compatível com os objetivos da Alca (Área de Livre-Comércio das Américas), defendida pelo governo norte-americano. Os Estados Unidos, não por acaso, estão impulsionando uma iniciativa de moldes semelhantes, o Plano Puebla-Panamá (PPP), projeto similar ao da IIRSA e que tem como objetivo “integrar” sete países da América Central e o sul do México [5]. Encarados em conjunto, os dois megaprojetos se encaixam perfeitamente, configurando um espaço latino-americano totalmente adequado aos objetivos do máximo aproveitamento dos recursos naturais e humanos em benefício do capital privado.

Nesse contexto, os opositores da IIRSA têm manifestado estranheza diante do apoio que a iniciativa tem recebido dos governos esquerdistas da região. A Venezuela de Hugo Chávez, ao mesmo tempo em que destoa do modelo integracionista neoliberal com iniciativas como a Alba, a Telesur e o Banco do Sul, não apenas participa da IIRSA, com vários empreendimentos em seu território, como propõe a construção do Gasoduto do Sul. Trata-se de uma obra faraônica que, estendendo-se do Caribe à Argentina, cortará a floresta amazônica do mesmo modo que as empreitadas mais agressivas da IIRSA, afetando o meio ambiente e pondo em risco o modo de vida de populações locais. Os presidentes Evo Morales, da Bolívia, e Rafael Correa, do Equador, fizeram declarações, em dezembro de 2006, durante a Cúpula Social de Cochabamba, de que a IIRSA deve ser “reorientada” a fim de corresponder aos interesses dos povos. No entanto, a Bolívia e o Equador estão comprometidos com vários projetos do IIRSA – e nem todos eles atendem a critérios sociais e ambientais aceitáveis. O governo de Morales chegou a opor resistência ao Complexo Hidrelétrico do Rio Madeira em razão dos impactos que essa obra provocará no lado boliviano, mas mudou de posição diante da perspectiva de obter apoio brasileiro para outros projetos. “Esses governos ainda estão presos a um ‘desenvolvimentismo econômico’ predatório em relação aos bens naturais e às populações”, avalia Mariângela Soldatelli Paim, do Núcleo Amigos da Terra Brasil. “A questão é que o modelo capitalista neoliberal que depende e resulta na exploração da natureza e dos povos não está sendo combatido nas suas estruturas.”

A adesão dos governos “bolivarianos” à IIRSA deixa no ar uma pergunta: existe alternativa? O sociólogo Luiz Fernando Novoa acredita que sim. “Ao criticar a IIRSA não estamos dizendo que não é necessário construir rodovias, ferrovias, hidrovias, portos e aeroportos, ou investir no setor elétrico e nas telecomunicações”, esclarece. O que ele propõe – refletindo, em grande medida, um consenso entre os opositores do modelo neoliberal de integração – é uma mudança no foco dos projetos de infra-estrutura, de modo a priorizar os mercados internos e o desenvolvimento social. “A geração e a distribuição de energia no continente deve ser pensada em função do incremento do dinamismo econômico regional, e não em função das necessidades de suprimento de cadeias transnacionais de produção”, exemplifica.

Igualmente, do seu ponto de vista, a “interligação viária deve levar em conta a otimização das interdependências potenciais entre nossos países e regiões”. Novoa se antecipa às críticas ressaltando que se opor ao IIRSA não significa ignorar o mercado externo. “É possível e necessário diversificar a pauta de exportações para gerar renda e emprego com o mínimo de danos ambientais”, afirma. “Isso só se viabiliza com um planejamento público do setor de infra-estrutura, vertebrado por órgãos públicos com representação da sociedade civil e com suporte de estatais e bancos de fomento desprivatizados. Ou seja, na contramão de tudo que estamos vivenciando hoje no Brasil.”

[1] Integram ainda a IIRSA a Guiana e o Suriname.

[2] Marc Dourojeanni, “A Estrada Interoceânica no Peru”, em O Eco, 30/6/2006.

[3] “IIRSA pode colocar em risco floresta amazônica”, em Conservação Internacional Notícias, 1/10/2007.

[4] Telma Delgado Monteiro, “Hidrelétricas do rio Madeira”, em amazonia.org.br, 6/2/2006.

[5] Igor Ojeda e Luis Brasiliano, “As veias cada vez mais abertas da América Latina”, Brasil de Fato, 7/2/2008.